quinta-feira, fevereiro 28, 2008

RECUERDO 30 - O COVEIRO ADVOGADO


Hugo Caldas

Muito bem pessoal, voltei. Meio atrasado mas seguro, como sempre, acho eu. É que deu um belíssimo de um creu, espécie de catapora braba na minha computadora. Tive que comprar uma máquina nova em suaves dez prestações. Está aqui na minha frente pretinha e linda. Sem ofensas, por favor, xiítas. Quem esperava se ver livre de mim, enganou-se. Afinal tenho que prestar contas aos meus três ou quatro leitores que seguramente sei que os tenho. O Anco Márcio, uma namorada do tempo do ginásio no Liceu, Elpidio Navarro e eu mesmo. Após o intróito justificante passsemos ao que realmente importa.

Este país é realmente a terra da galhofa, graças à Deus. Muitas loucuras acontecem, dão mil e uma voltas e terminam por dar certo no final.

Vocês sabiam por acaso que o Zé Bonitinho é nas horas vagas um renomado advogado chamado Jorge Lorêdo, especialista em previdência social? Digam aí, em sã consciência, se teriam coragem de entregar algum pleito ou ação judicial, uma pendenga qualquer, ao distinto causídico? No meio da audiência eis que ele toma seus ares altivos e soberbos, saca de um enorme pente, cofía as sobrancelhas e joga o bordão conhecido: "Câmaras Close!" Àquela velhota surda da Praça da Alegria, o Ronnie Rios, já falecido, era um renomado médico veterinário de grande prestígio em São Paulo. Sabia que o Renato Aragão, por exemplo, além de formado em direito foi também oficial do exército, segundo tenente do CPOR? Dá pra acreditar?

Todo esse papo aí em cima é para justificar o fato que ora relato.

Na década de 70, já aposentado e morando no Recife, meu pai, sabe-se lá por qual razão, comprou um jazigo em um simpático cemitério que estava para ser inaugurado. Durante anos ele falava sobre o belíssimo negócio que fizera, ao mesmo tempo em que nos exibia fotos e folders persistindo no própósito de ser sepultado no novo cemitério quando sua hora chegasse. A gente, claro, sempre fazendo ouvidos de mercador, sem querer entrar em detalhes, até porque ele tinha uma saúde muito boa.

Eis senão quando, por obra e graça das reviravoltas que este mundo de meu Deus dá, meu pai adoece e termina falecendo em 21 dias. Arrasado, praticamente devastado, você vai encontrar forças não sabe onde, para tomar as medidas necessárias. Uma das primeiras tarefas seria, naturalmente, providenciar o sepultamento no Cemtitério Parque das Flores onde ele havia comprado o tal jazigo.

Para aumentar a nossa aflição, os anos haviam passado e graças como sempre, ao descaso das autoridades e a irresponsabilidade de muitos, o cemitério ainda estava por inaugurar. Teve o meu pai o supremo azar de falecer 10 dias antes que o governador ou o prefeito arrumassem um tempinho extra para se deslocarem até lá a fim de cortar ridículas fitinhas, arengar um improviso qualquer, como soem acontecer em qualquer inauguração "neste país."

Meu irmão Guilherme, amigo da esposa do prefeito de então, tentou por todos os meios, contando com a sua ajuda, efetuar o enterro mas não conseguiu. A lei não permitia e quando algum chefete se dá a importância que não tem, aí é que está o busílis, o xis da questão. O fato é que somente poderíamos fazer o traslado para o novo cemitério após a devida inauguração. Quem manda morrer antes do tempo? Agora só após dois anos do falecimento.

Esperei pacientemente os dois anos de carência e finalmente um belo dia me dispus a ir ao antigo cemitério de Santo Amaro para tratar da transferência dos restos do meu pai. Fui só. Não chamei ninguém para este segundo enterro. Achei o sofrimento desnecessário.

As coisas começaram a tomar ares surrealistas quando o coveiro, muito cheio de prosa alegou, "na quinta-feira não posso porque vou fazer provas na universidade." Ao notar o meu espanto, disse-me ele com a maior sinceridade deste mundo:

- "Professor, há dois anos eu não tinha terminado o primário. Tentei o Supletivo, Artigo 99 e por desencargo de consciência também tentei o vestibular da Católica. Hoje estou terminando o segundo semestre do primeiro ano. Em todas as provas sempre me valí de um bozó para acertar as múltiplas escolhas."

Coisas de Pindorama.

Pergunto novamente: Teriam vocês, meus caros, a devida isenção de ânimos para também confiar nos préstimos advocatícios do personagem em questão? E se, ao invés de advogado ele fosse médico? Marcariam uma consulta, hein?

Uma coisa vem me ruminando o miolo. O título desse Recuerdo deveria ser: "O Coveiro Advogado ou O Advogado Coveiro"?

Cartas à Redação

hucaldas@gmail.com

2 comentários:

Unknown disse...

Quem diria que tais celebridades eram celebridade também no mundo profissional...hehehe

Quanto ao seu pai, coitado pagou por um pedaço de terra que só iria usar quando morre-se e mesmo depois de morto não usou...
Seria cômico se não fosse tão trágico.

Márcia Barcellos da Cunha disse...

É sempre muito bom ler seus textos.Ao mesmo tempo que nos emocionam também nos alegram... Um grande abraço. Márcia