terça-feira, fevereiro 26, 2008

NO MUNDO DA FICÇÃO


Elpídio Navarro

Um historiador francês levanta uma hipótese para a origem do teatro: entre os povos primitivos, a morte era um fato um tanto fantástico que mexia com a compreensão do homem carente de uma explicação.

Imaginou o historiador, que um vivente da época, mais perspicaz e criador, reuniu a tribo e declarou com toda a autoridade: recebi uma mensagem do "deus da morte" encarregando-me de explicar os mistérios da vida após a morte, para onde vamos e o que seremos. Por isso ele me nomeou seu representante aqui na terra para vos preparar para a grande viagem. E o homem caiu na conversa dele.

Assim surgia o primeiro sacerdote, ou seja, o primeiro ator de uma tragédia improvisada. Respeitado, obedecido e acreditado tanto, que durante muito tempo foi temido. Assim nasceu o teatro: a arte de inventar histórias que não aconteceram, pelo menos como elas são contadas.

Como não acredito que após a morte exista uma outra dimensão, o andar de cima ou de baixo, uma outra vida espiritual, começo a pensar em inventar um outro mundo para onde desejo partir após o ultimo sopro: o mundo da ficção. Começo a acreditar que esse possa existir.

Lá, encontraria Brecht rindo do papo inteligente entre Vinícius, Nelson Rodrigues e Otto Lara Resende. Mas passarei ao largo para não incomodar. Mais adiante estão dois senhores idosos conversando em voz baixa uma conversa em inglês e espanhol. Precisei me aproximar mais para perceber Shakespeare e Cervantes se entendendo e Lorca desfrutando da discussão. Continuarei a minha busca e muitos outros habitantes daquele mundo vão surgir: Augusto dos Anjos sozinho, num canto, contemplativo. Camões declamando e ajeitando a venda do olho direito e, um pouquinho adiante, Bocage contando anedota de brasileiro. Mais ao lado uma discussão intelectual entre Zé Américo e Zé Lins atentamente escutada por Zé de Lima Penante, sobre a transposição das águas do Rio São Francisco e uma maior produção de cana de açúcar para a perpetuação do combustível brasileiro: o álcool. Certamente pensarei numa boa cachaça. Seguirei meu caminho procurando mais gente e, de repente, a emoção aflora: lá está a turma! Numa mesa formada por Paulo Pontes, Virgínius da Gama e Melo, Raimundo Nonato e Pedro Santos, estão fazendo uma homenagem e dando boas vindas a Altimar Pimentel. Na primeira fila da platéia diviso Cilaio Ribeiro, Eugênio Carvalho, Augusto e Luzia Simões, Nautília Mendonça, Arlindo Delgado, Zé Porto e Zé Souto, Marcus Siqueira, Orley Mesquita e Elcir Dias, Lucy Camêlo, Edinaldo do Egípto e Mirócene Amorim e num canto assim um tanto tímido o recém-chegado João Balula, mais adiante Marcos Ramalho, Coqueijo e esbanjando beleza e simpatia Márcia Guedes Pereira. E nos camarotes especiais Walter Oliveira, Clênio Vanderley, Joel Pontes, Alfredo Oliveira, Elpídio Câmara, Luiz Mendonça, Luiz Marinho, Hermilo Borba Filho e outros. Irei me aproximar e serei barrado:

- Não pode. Aqui só fica quem vive na memória coletiva. Vá criar, criar muito mais para ter esse direito. No mundo da ficção só fica quem criou para a eternidade. Também não adianta alegar que criou este mundo porque ele sempre existiu. Alguém sempre o recria. Volte quando estiver pronto...

Ao mundo que recriei não sei se vou chegar. Mas vou tentar.

www.eltheatro.com

Nenhum comentário: