sexta-feira, setembro 14, 2007
RECUERDO 25 - INGLÊS PARA AMERICANOS?!
HUGO CALDAS
Era bem o começo da década de noventa. Vida correndo a rotina de sempre. Aulas e mais aulas de inglês. De repente, o inesperado. Recebo de uma importante e influente escola de línguas da California o convite para assumir um posto de professor assistente. Que é isso, perguntei aos meus botões? Ruy Barbosa redivivo? Dar aulas de inglês para americanos?
Eu é que não sabia da missa um terço.
A escola em questão pertencia a uma unidade das forças armadas e lecionava todas as línguas e dialetos do mundo. A praxe era trabalhar com nativos. Já lá estavam um professor de Caruaru e outro do Recife. Ao longo do período de ensino esses mesmos professores trabalhavam a cultura e as peculiaridades do lugar para onde os alunos se destinavam. O major Jacobs, meu chefe no escritório do US Army no Recife, estudou português durante oito meses, oito horas de aulas por dia e quando aqui chegou, não apenas falava com sotaque nordestino como sabia da existência da "Capela Dourada," - era católico - "O Buraco de Otília," à época famoso restaurante de comidas típicas e como primeiríssimo lugar a ser visitado, o "Alto do Moura" em Caruaru. Quando da sua chegada na base aérea, a todos saudou em inglês arrematando com um caloroso aperto de mão. Na minha vez foi logo dizendo no melhor português: "Você deve ser Hugo. Quando sairmos daqui você me leva pro hotel que eu preciso tirar essa farda ridícula, botar roupa mais condizente. Vamos ao centro da cidade. Quero ver as pontes sobre o Capibaribe." Na semana seguinte em Caruaru, comprou um gibão de couro que de imediato vestiu todo garboso, na certa se imaginando um cabra de Lampião.
Certa vez me disse: Não foi à-toa que eu quase me matei estudando esse maldito idioma de vocês. Comigo, apesar de ter sido contratado como intérpetre, você somente fala em português, entendido? E assim foi. Falava em inglês com os outros dois engenheiros e em português com ele.
A escola:
Havia alunos de todos os sete lados do mundo. Claro que fiquei meio encafifado com o convite. Iriam me chamar assim, sem mais nem menos, pelos meus belos olhos? Como chegaram até o meu nome?
De inquirição em inquirição descobri que tudo havia sido por conta e risco do empenho de vários amigos, meu ex chefe no escritório do US Army à frente. Me dariam alojamento, pensão completa no Campus, carro com gasolina, US$ 2,000.00 livres e mais um contrato de dois anos.
Mas ensinar inglês para americanos? Qual nada, alegaram que a minha experiência de muitos anos no ensino da lingua inglesa seria valiosíssima para eles e para a didática pela qual lecionavam. Ademais, o que de menos havia na escola eram alunos americanos.
Havia porém um senão:
Tudo muito bom para ser verdade mas não existia verba específica para o custeio das passagens. Eu teria que arcar com as despesas de ida e da volta, evidentemente. Além do mais eu teria que ir só. Sem família. Ao fim do primeiro ano do contrato se porventura fosse do meu desejo levar mulher e filhos, teria todas as facilidades possíveis.
E assim comecei então a amealhar dinheiro, colocar em poupança, num programa desvairado de economia e mais poupança. Redobrei o esforço em lecionar para empresas.
Ia seguindo essa rotina meio louca quando um perigoso desvio apareceu na curva da estrada. Foi como um acidente. Quase fatal. Algo me chamara a atenção, senti coisa nova no ar. Perspectiva de um bom e rentável negócio. Foi uma atração tão forte que parecia me ter cegado momentaneamente. Por que sair do país agora? Decidi, pagar para ver e terminei por cair no mesmo engodo que o jovem mancebo Pedro de Alcântara, Rafael Miguel Gonzaga. Tive o meu Dia do Fico. Permaneci no país, acreditando que Pindorama havia entrado definitivamente no primeiro mundo. Tornar-me o feliz proprietário de uma Agência dos Correios era tudo o que eu almejava. Ledo engano. Como aquele outro malucoide da pátria eu tinha apenas uma bala na agulha. Errei no tiro e em consequência do ato impensado fiquei por aqui literalmente a ver navios. A lutar de forma quixotesca contra os moinhos de vento que se me apresentavam. Sem dinheiro, sem lenço e sem documentos. Em verdade vos digo:
Se arrependimento matasse...
Só muito mais tarde é que dei fé da absoluta mancada perpetrada. Até hoje me ressinto de nunca ter chegado a conhecer a famosa Escola de Línguas do Presidio de Monterey, em terras da California. Nunca pude comprovar o que poderia ter sido uma bela experiência a acrescentar à minha trajetória de vida. Jamais pude vivenciar o que eu poderia ter feito e terminei por não fazer. Não culpo ninguém evidentemente. Escolhi ficar. Eu, apesar de vastíssimas opiniões em contrário, para citar o poeta, "tenho um acendrado amor à terra natal," a certeza mais absoluta de que não conseguiria viver fora desse nordeste incruado. Se por aqui fiquei foi por exclusiva vontade própria. Não foi também nenhuma patriotada. Coisas do coração mesmo. Tenho a mais nítida convicção de que o único culpado, se é que existe algum, nessa historiada toda fui eu mesmo. Também, quem manda...
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