sábado, setembro 22, 2007

Ela se foi com aquele jeito assim tão frágil...


ANCO MÁRCIO DE MIRANDA TAVARES

Parecia uma boneca. Não dessas bonecas de hoje, não dessas Barbies modernas que esbanjam saúde, mas uma boneca antiga daquelas de louça que tem o rosto bastante pálido. Andava bem devagarinho parecendo uma senhora, apesar de eu saber que tinha apenas dezessete anos.

Haviam me dito que era uma menina um tanto doente, que sofria de umas febres e de uma tosse terçã, que nunca ficavam boas. Parecia mesmo uma menina doente, sempre envolta em casacos de lá, mesmo que o tempo estivesse bem quente. Fazia frio dentro dela, foi o que me disseram.

Tinha um namorado igualmente magro, igualmente doente, que andava ao que parece amparado nela, como se por acaso seu corpo frágil fosse uma muleta ou mesmo uma bengala. Um dia, os dois passaram na chuva e eu os chamei para que ficassem um pouco em minha casa. Agradeceram e seguiram em frente.

Foram assim, como quem tenta ir entre um pingo e outro, embora isso seja impossível para qualquer ser humano. Queriam driblar a forte chuva que caía, queriam livrar-se dela, sem que para issso usassem um mísero guarda chuva. Queriam que os pingos passassem longe deles, embora que se molhassem muito.

Depois disso ela deixou de passar. Soube que havia caído de cama e que tossia o dia inteiro, praticamente vinte e quatro horas. Fui vê-la no hospital. A vi pelo vidro da UTI, esquelética com os ossos a lhe furar a pele esbranquiçada de menina. O namorado já havia morrido na véspera.

E no dia seguinte, ao meio dia ela morreu como uma vela que se apaga. Sem tossir nem reclamar. Muda como viera ao mundo. E na moldura de minha janela nunca mais foi vista. E na frente de minha casa nunca mais passou. Foi-se embora assim como vai uma chama de vela quando se sopra. De repente...

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