quinta-feira, julho 20, 2006

Respeitosa Consideração

Luiz Gonzaga Lopes

Hoje, Cabeleira fecha os olhos para reavivar o passado, cruza os dedos e jura que a estória é verdadeira:

- Eu conheci os dois muito bem - diz ele. Tanto o Juiz quanto Seu Gerôncio, o motorista do misto.

O Dr. Veiga era um cinqüentão solteiro, muito ponderado e cioso de sua condição de magistrado. Culto, poliglota (falava latim e alemão), apreciava as artes em todas as manifestações, tinha como passatempo dedilhar um cravo adquirido na Itália.

Já Seu Gerôncio se distinguia pela grandeza de coração e pela sinceridade do falar, o vozeirão sempre nas alturas. Embora fosse grosso em seus modos, todo mundo o estimava. Das coisas que ele gostava, uma era carregar gente importante da boléia de seu veículo. Já tivera muitos passageiros ilustres: o Vigário de São José da Lagoa Tapada, o Delegado de Princesa, O Médico de Arvoredo, o Farmacêutico de Queimada, o Bispo de Missões, o Prefeito de Cabaceira.

Agora, estava outra vez de grande: ao lado dele, ombro a ombro, viajava, compenetrado, o Juiz de Direito de Jaçanã, Doutor Solidônio de Assunção e Veiga. No banco de trás, a testemunha ocular desta estória, Cabeleira (na época com seis anos de idade), que nada deixava escapar, dentro ou fora do misto.

Finda a viagem, Seu Gerôncio desmanchou-se em atenções para com o magistrado. Subiu ao mais alto da carga, arriou os pertences do meritíssimo:

- Taqui, seu Juiz, seus teréns. Tá tudo dentro da mala.

- Obrigado, Seu Gerôncio. Agora desejo pagar a passagem. Quanto devo?

- Deve nada não, Doutor. Eu que agradeço pelo senhor ter viajado comigo.

- Absolutamente, Seu Gerôncio. Sei que o senhor vive desse caminhão, portanto, faço questão de pagar. Para pôr fim à insistência do magistrado, Seu Gerôncio, tentando ser agradável, encerrou o assunto:

- Ta conversando merda, Doutor. Vou lá cobrar dum homem como o senhor!

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