quinta-feira, julho 20, 2006

Crônica - O ESQUECIMENTO DO MINISTRO

Riobaldo Tatarana

Nomeado ministro da Cultura, no governo João Figueiredo, Eduardo Portela iniciou sua primeira coletiva com essa boutade: “Eu não sou ministro; eu estou ministro”. Todo mundo gabou muito a frase de Sua Excelência, que assim expressava, de modo sucinto e elegante, quão efêmeras são as glórias humanas, e quanta distância há entre a permanência de ser e a impermanência de estar. Mais ainda, aludia de modo indireto à inexorável força dessa mão de bronze que, do nosso âmago, muitas vezes nos coloca em posições que não correspondem àquelas que apeteceriam ao lado, digamos, mais epidérmico de nós mesmos. Guimarães Rosa tem essa reflexão: “O mais-fundo de mim mesmo não tem pena de mim; e o mais fundo de meus pensamentos nem entende as minhas palavras”. Antes dele, já Fernando Pessoa queixava-se: “Há entre quem sou e estou/ Uma diferença de verbo/ Que corresponde à realidade.”

A frase brilhou como uma pequena jóia da inteligência ministerial e ficou para sempre na mente dos políticos, que não dispondo da facúndia portelense, toda hora recorrem à mesma tirada espirituosa, fazendo-a anteceder do nome do autor. Nosso vice-presidente, quando foi nomeado ministro da Defesa, saiu-se com essa: “Como disse o Professor, eu não sou ministro, eu estou ministro”. E a mídia repete a frase, faz ecoar por todos os cantos do país o dito sutil, reavivando assim na memória do povo a destreza verbal do mestre, que além de tudo goza da imortalidade conferida pela ABL. Tudo muito bem. O problema é que o então recente ministro, talvez pela emoção da posse, esqueceu-se de lembrar que a frase não é sua, mas de Machado de Assis, que a formula em mais de uma passagem. Fiquemos apenas com essa, que inicia o capítulo CLXXIII do romance Quincas Borba:

- Com que, o Teófilo está ministro! Exclamou Carlos Maria.

E, depois de um instante:

- Creio que dará um bom ministro. Você queria ver-me também ministro?

Esquecer de citar o autor é fato corriqueiro em nosso país, e creio que em nosso mundo. Só que o ministro, ao aproveitar-se da pouca leitura dos seus entrevistadores e dos seus pares, embolsou espertalhonamente a glória do outro, e até hoje dorme placidamente sobre os louros machadianos. Deixá-lo dormir. Não faz mal a ninguém e deixa feliz nosso tão querido imortal. Somente, a bem da verdade, intrometi-me a fazer essa pequena correção. Já outras vezes tentara, através dos jornais cariocas. Mas, talvez por receio de magoar o professor, todos recusaram esse esclarecimento, que aí vai, no meio de tanta coisa mais interessante para ler.

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