terça-feira, agosto 27, 2013

Fogo



Umari Pereira

Ana Rita, uma negra jovem, de porte altivo e esbelto, quando passava, deixava a rapaziada do Engenho ouriçada, todos se roendo no desejo de tê-la nos braços.  Não se tinha notícia de que alguém já tivesse realizado tal desejo. Rita sabia de suas qualidades e fazia-se mais graciosa, de propósito, sabendo que a moçada ficava excitada, toda vez que ela desfilava pelas ruas do Engenho, indo de um canto a outro, em seus afazeres e mandados do major Ulhôa. Dono do Engenho Fogaréu, o major costumava sentar em uma cadeira de balanço, com espaldar alto, apreciando a fumaça que saía do bueiro do engenho, durante o cozimento da garapa para fazer rapadura. Vestido com terno de linho branco e um chapéu da mesma cor, feito de palhinha importada, o major passava as suas horas entretido em pensamentos, enquanto pitava seu cigarro de palha. Há muito, viúvo, não tinha tido filhos nem tinha mais parentes vivos.

Todos os dias, à tardinha, Rita costumava lhe trazer um cafezinho fresco e quente, que o Major sorvia vagarosamente, com os olhos voltados para o seu horizonte preferido. Ao terminar de tomar o cafezinho, o major Ulhôa devolvia a xícara, que Rita depositava em uma mesinha, se postando em pé, ao lado da cadeira do velho Major. Ali ficavam os dois, quietinhos, sem trocar uma única palavra. Os que passavam pela frente do alpendre da casa-grande cumprimentavam o Major, que respondia com um aceno de cabeça quase imperceptível, sem tirar os olhos do seu infinito, enquanto Rita fazia a cadeira balançar, suavemente. Ana Rita vestia uma saia comprida de chita, colorida por flores indefinidas e tendo os pés descalços.. Uma curta blusa branca mal cobria os seios soltos, que se percebiam firmes e pequenos, deixando o umbigo à mostra.

A moçada do Engenho continuava agitada, quando Rita passava, soltando pilhérias e gracejos. Mas, quem tinha coragem de abordar a "Rita do Major"? "Tu é doido?!!" Faceira, Rita se divertia, com a situação. Será que ainda é "moça"? Perguntavam-se, as mais velhas, em mexericos, quando a jovem cantarolando e mexendo as cadeiras, circulava pelas dependências do Engenho.

Noite alta, quando todo o Engenho dormia, podia-se escutar alguns murmúrios vindos da casa grande. Muitos achavam que era o "malassombrado" da falecida esposa do Major... Outros achavam que eram gemidos e não era de gente morta. O Major poderia estar doente... Os mais afoitos juravam que eram gemidos de prazer, vindos do quarto do major Ulhôa.

Dia seguinte, o Major se apresentava saudável e tranqüilo, em sua habitual calma e passos lentos. Fazia a sua costumeira inspeção pelo engenho Fogaréu, determinando tarefas e ordenando providências  que deveriam ser cumpridas. Por onde circulava, podia-se notar a curiosidade dos trabalhadores, procurando adivinhar na face do Major, algum sinal, que pudesse revelar traços do que acontecera durante a noite anterior. A expressão e olhar firme, nada denunciavam. Da casa grande ouvia-se Ana Rita cantarolar, enquanto se desincumbia em seus afazeres domésticos.

(Continua no próximo número)
 Colhido no número 02 de Julho/Agosto de 2013 de Folha de Bananeiras

27 comentários:

Hugão disse...

Essa Ana Rita é demais. Me incluo entre a rapaziada excitada do engenho. Parece talhada para ser uma nova musa inspiradora do autor de nome esquisito. Tendo Pereira de sobrenome já posso maldar quem seja pois a minha gente Pereira sempre me surpreende. Belo texto,delícia de leitura,só encontrei um senão. Essa história de "continua no próximo número"! Solução para o meu coração (aos pulos) só quando Outubro vier? Meu abraço. Hugo

Anônimo disse...

Grato pelas suas perspicazes observações. A sugestão das doses homeopáticas, foi de uma senhora, que aconselhou as preliminares, antes de um desfecho, quiçá, precoce...
Abraços
Umarí Pereira

Anônimo disse...

Concordo com você, Hugão. O texto é gostoso, a leitura deliciosa, mas essa história de esperar o próximo número é maltratar demais. Nazareth Xavier

Celso Japiassu disse...

História e texto de primeira qualidade. Como não tinha antes qualquer referência sobre Umari Pereira, será que seria pseudônimo do Hugão?

Hugo Caldas disse...

Concordo com vossa mercê. Trata-se de pseudônimo mas nãao do Hugão.
Hugo Caldas

Maria Lúcia disse...

Sei não, sei não !! Quando cheguei na metade do texto, podem acreditar, lembrei o Guy Joseph. Será ??????????????

Mary Caldas disse...

Gostei do Major e da sua Ana Rita...
Quem será o autor/a?
Parece novela, no próximo capítulo
saberemos. Aguardem com paciência.

Lurdinha disse...

Hugo, eu só não digo que o autor é Valdez porque ele está doente e no momento não pode escrever.

Brito disse...

Hugão-eu já peguei uma Ana Rita dessa, dentro de um partido de cana, em São Lourenço da Mata. Eu, ela e o barulhinho das folhas do canavial. Depois, fomos tomar banho no riacho. Maravilha !!!!!!!!!!!!!!

Prof. Simplício disse...

O major Ulhoa, tambem conhecido como "papa cabaço", dono do Engenho Fogaréu, foi o maior produtor de rapadura do brejo paraibano. Ana Rita era filha de Joca Sinhô, encarregado da moenda do engenho. Ele tinha, além de Ana Rita, mais duas filhas, Bernadete e Iracema. Todas elas foram transformadas de puras virgens em concubinas do indefectível major. Maiores informações poderão ser obtidas no Museu da Rapadura, na cidade de Areia-PB., onde o major Ulhoa tambem era dono de engenho de rapadura. Consta que o inoxidável major nunca pagou uma pensão alimentícia. Vamos aguardar o próximo capítulo, para verificar se o até então desconhecido autor, abordará o que constatamos através de alguns octogenários sobreviventes. Vou ficar ligado e antenado.

Amélia disse...

Ainda bem que eu nunca passei nem perto desse engenho. Deus me livre desse major.

Cabral disse...

Meu dileto, prezado e ilustre ex professor de ingles Hugo Pereira Caldas: Não tenho idade para lhe dar conselhos, entretanto acho-me no direito e dever de lhe dar uma sugestão. Publique logo o próximo capítulo para não ter problemas, visto que os comentários estão sendo comprometedores para o lado do major. Mesmo sabendo da existencia do major e do engenho Fogaréu, lá pelos confins da Paraiba, no século 19, toda vez que releio o texto, me vem a cabeça uma Ana Rita que me deixa muito excitado.

Zezito disse...

Logo, logo, haverá uma chuva de comentários daquela turma do Iolanda Futebol Clube e do Clube Sargento Wolf, ambos do Bairro de Afogados, dizendo que dançaram com Ana Rita, ouvindo os boleros de Angela Maria.

Bárbara disse...

Observei no texto que Ana Rita andava descalça. Que major miserável. Sequer presenteou a inditosa com um par de sandálias. Sujeitinho "mão de vaca" esse tal Ulhoa. Será que a pobre Ana usava calcinha ? Quem deve saber é Hugo que era useiro e vezeiro em visitas ao engenho. Não duvido que Hugo tenha se enfronhado no canavial com Ana Rita.

Cabo Tenório disse...

Hugo, gostei bastante do artigo publicado. Muito consistente, atraente de tal forma que a gente ler de uma só pestanada. Quem leu a Bagaceira, do ilustre paraibano José Américo de Almeida, deve ter observado que aquele autor descreve caso parecido a esse relatado por Umari Caldas. Aguardemos a sequencia desse maravilhoso conto.

Cabral disse...

O capitão Antonio Pereira dos Santos, proprietário do Engenho Bruxaxá, em Areia-PB, lá pelos idos de 1870, foi considerado o maior namorador de filhas de seus empregados. Só esperava que a menina tivesse a primeira menstruação e partir daí a vadiação começava. Consta no cartório que Antonio Pereira dos Santos foi pai de 34 filhos de mães diferentes. Um dos netos foi gerente do Banco do Brasil, agencia da Rua 7 de Setembro no centro do Recife. Está vivo e reside no Rosarinho. Naquele tempo os "senhores de engenhos" casavam e batisavam e tudo ficava por isso mesmo.

Xavier disse...

Atendendo pedido da leitora Maria Lúcia, minha colega da Universidade, devo esclarecer que UMARÍ é um povoado daqui do município de Bananeiras-PB. O artigo, motivo de tantos comentários, foi escrito por GUY JOSEPH, um bananeirense adotivo. Voces que estão ansiosos pela sequencia do texto, somente terão oportunidade de ler, quando for distribuido o próximo número do jornal FOLHA DE BANANEIRAS. Peço desculpas pelo vasamento, mas não poderia deixar de atender a minha colega Maria Lúcia, senão ela poderia perder o menino, já que está grávida. Viva Umarí, viva Bananeiras, viva Guy Joseph e sua câmera mágica e viva Hugo Caldas que eu gostaria muito de conhecer. O blog do Hugão é muito lido por aqui, principalmente depois que Guy fez a divulgação. Bananeiras-PB, 30-08-2013.

Jerônimo disse...

E agora, Hugo, que dizes tu, oh grande escriba ? O tal Xavier está correto no que escreveu ?

Hugão disse...

Nobless oblige. Devo passar a pelota ao meu digníssimo primo Guy Joseph a fim de que ele possa, em tempo hábil, resolver o imbróglio.

Glória disse...

Senhor Hugo - Sou uma mineira casada com paraibano de Bananeiras da família Bezerra. Nos divertimos muito com tantos comentários feitos em função de um conto tão singelo e agradável. A internet é realmente uma ferramenta poderosa. Acredite que embora não conhecendo nenhum desses comentaristas, com tantas opiniões, algumas até cômicas, fiquei ansiosa para saber o final dessa estória. Sou professora aposentada e tenho tempo para esperar. Parabens pelo seu saudável e agradável blog. Juiz de Fora-MG, 30/08/2013. Maria da Glória N. Bezerra.

Guy Joseph disse...

Rapaz! Quando pedi ao primo Hugão, para ler e comentar "Fogo", publicado na Folha de Bananeiras, queria apenas saber, de forma despretenciosa, a sua opinião. Afinal de contas, escrever não é a minha praia, como o é a fotografia. Fui pego de surpresa, com a postagem do texto, em seu indispensável "Unlimited" e susto maior, a enxurrada de comentários e apelos de curiosidade, aos quais agradeço, honrado e encabulado.
O texto foi feito, com a intenção de servir de argumento para o filme (curta-metragem), Cana Fogo e Bagaço, que também será exposição fotográfica e livro de fotografia, sobre os engenhos de cana de açúcar do Nordeste.
Maria Lúcia, foi na mosca, quando logo adivinhou, a quem poderia pertencer, as mau traçadas.
Xavier desmascarou, cruelmente, o fotógrafo enxerido, que teve sua inspiração em uma Ana Rita (nome fictício), de sua adolescência.
A todos, peço perdão!

Maria Lúcia disse...

Guy Joseph, voce é simplesmente GENIAL. Sinto-me orgulhosa e lisonjeada pelo seu reconhecimento. Acho que segui a profissão errada. Seria melhor uma "investigadora" de policia do que funcionária da Universidade Federal. Fico muito feliz pelo desfecho !!!

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Muito interessante o texto! A imaginação vai longe....Abraço.

Xavier disse...

Foi muito bom e divertido. Vejam que Guy Joseph com sua mente fértil e inspiração apurada, provocou a opinião de mais de vinte leitores. Fico muito honrado em ser um deles.

Eunice disse...

Hugo: Fui tomado de enorme surpresa com mais uma bela façanha do Guy, o bonitão de Mira-Mar. Bons tempos !!!!!!!!!!!!

David disse...

Com certeza o final dessa história vai ser ótima e aguardo seu desfecho no próximo número. Gostei e parabéns.

Norma disse...

Tambem gostei bastante. Muito divertido. Não sabia que Guy Joseph já foi o bonitão de Mira-Mar nos bons tempos.