terça-feira, agosto 06, 2013

A prece que o santo não rezou

 Gabriel Perissé

Falsamente atribuída a São Francisco de Assis, Oração de Paz é invenção do século 20 e foi traduzida para praticamente todos os idiomas.
                                                                                             

Sabe-se hoje que a oração de São Francisco de Assis, conhecida como a Oração da Paz, não é da autoria do santo, que viveu no século 13, considerado o santo dos pobres. Não há vestígio de texto seu com este conteúdo no dialeto úmbrio do italiano, como é o caso do Cântico das Criaturas, e menção alguma à prece antes do século 20.
           
Vários estudiosos colocaram em dúvida a atribuição, a partir dos anos 1940. Nos 70, o monge trapista Willibrord van Dijk escreveu o artigo “Uma oração em busca de um autor”. Mas só recentemente o historiador francês Christian Renoux reuniu provas para revelar, no livro A Oração pela Paz atribuída a São Francisco de Assis: um Enigma a Desvendar (2001), a história da oração, ecumênica por excelência, cuja beleza motivou traduções em quase todos os idiomas.

A oração veio à luz em Paris, em 1912, numa modesta publicação católica (La Clochette, isto é: A Sineta), editada pelo padre Esther Bouquerel, em Paris. Vinha sob o título: “Bela oração para se fazer durante a missa”. Talvez tenha sido concebida pelo próprio padre, ou por um fiel inspirado que se manteve anônimo.
      
Repleta de antíteses, ficaria restrita a um círculo de devotos, mas chegou ao conhecimento do papa Bento XV. Em 1916, na Grande Guerra, o Pontífice julgou oportuno que a oração fosse traduzida para o italiano e divulgada no Observatório Romano (edição de 20 de janeiro). Uma semana depois, ela ressurgiu num dos jornais de maior circulação da França: o La Croix.
       
Nos anos 20, um frade capuchinho distribuiu o texto com o título “Oração pela paz” no verso da imagem de São Francisco. Não dizia que pertencia ao santo, mas permitia a associação. Em 1927, o movimento protestante francês Os Cavaleiros do Príncipe da Paz, de promoção da harmonia entre os povos, difundiu a oração pela Europa, atribuindo-a ao santo.
      
Ultrapassando fronteiras, foi traduzida para o inglês pelo pacifista americano Kirby Page, no livro Vivendo Corajosamente (1936). Page garantia que seu autor era Francisco de Assis. A “Oração de São Francisco” propagou-se com a 2ª Guerra, e suas traduções se multiplicaram em outros idiomas europeus. A urgência pela paz deixava de lado a questão da autoria.
       
Mencionada e retraduzida, tranformada em canções ou adaptada, é difícil saber com exatidão as fontes para cada versão da Oração da Paz. 

Gabriel Perrissé é tradutor  pesquisador do NPC – Núcleo Pensamento e Criatividade.


Oração da paz
Senhor! Fazei de mim um instrumento da vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Onde houver dúvidas, que eu leve a fé.
Onde houver erro, que eu leve a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei que eu procure mais:
consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe.
É perdoando que se é perdoado.
E é morrendo que se vive para a vida eterna.
                          

Nenhum comentário: