domingo, junho 16, 2013

AH BRASIL DOS NOSSOS PECADOS!

Carlos Cordeiro de Mello

Ai de nós, os que gostamos da boa, da grande literatura, e somos obrigados a ler ou ouvir opiniões idiotas, emitidas por gente que jamais leu o autor ou a obra que está citando – pois  se houvesse lido, certamente não cairia no ridículo das citações equivocadas. Isto no Brasil é uma verdadeira praga, que começa pela falta de respeito a Machado de Assis, seguramente o maior romancista da língua portuguesa e um dos maiores do mundo, tão grande quanto Dostoievski , Cervantes ou Balzac.  Já não basta a alcunha idiota de “o bruxo do Cosme Velho”, pespegada por algum paspalhão, uma idiotice perfeitamente  anti-machadiana. Depois vem a tentativa de criticá-lo por ele não ser “politicamente correto”, por ser “um pretinho de alma branca”, que, “apesar de mulato, nunca investiu contra a escravidão e o preconceito racial no Brasil”. Graças a Deus, digo eu, porque assim teríamos, em vez da entrada da literatura brasileira para a Weltliteratur, uma panfletagem rasteira e medíocre, numa espécie de realismo socialista avant la lettre. Não ler Machado e contentar-se com ouvir idiotas dá nisso.

Ouvi certa vez, em uma entrevista, um empresário carioca do show business , dada a suposta ousadia dos seus projetos, definir-se como “um empresário Dom Quixote, sem vocação para Sancho Pança”. Outra memorável orelhada de burro. Ele terá ouvido de alguém que Dom Quixote é a ousadia, o sonho, a coragem;  e Sancho o bom senso, a prudência temerosa. Coisa de quem nunca leu a obra, pois se a tivesse lido saberia que tanto um como outro vivem uma mesma fantasia, apenas com posturas diferentes. A credulidade que Sancho demonstra pelo sonho quixotesco é tamanha que, quando Alonso de Quijana decide abandonar a andante cavalaria, é ele mesmo, seu fiel escudeiro, quem insiste para que seu amo não abandone essa quimera – ou quando muito a troque por outra, em que os dois se tornariam pastores arcádicos.

Vem agora essa bobice da Dilma, referendada pelo Lula, citando o episódio do Velho do Restelo, que encarnaria o pessimismo diante dos grandes projetos, a inércia e a paralisia, em um mundo que exige o empreendedorismo, a audácia e a coragem de correr riscos. Fico com preguiça de comentar essa sandice. Quem quiser apreciá-la melhor pode ler o excelente artigo do Merval Pereira em O Globo do dia 14 deste mês. O fato é que  a Doutora Dilma e seu correligionário e concorrente Lula jamais leram “Os Lusíadas”. Se o tivessem lido, não falariam essa bobagem. Que nos traz à lembrança a famosa anedota, referida por Plínio o Velho, a respeito do pintor da antiguidade grega Apeles. Relembro aos mais esquecidinhos: conta o historiador o episódio de um sapateiro, que ao apreciar o trabalho do pintor na elaboração de um quadro, notou um defeito na sandália de uma pessoa retratada. Apeles, convencido da justeza da  crítica, corrigiu imediatamente o erro. Mas aí o sapateiro ficou animado e fez nova crítica, desta vez sobre outra parte da pintura, ao que o pintor teria retrucado “Não suba o sapateiro acima da chinela...”

Pois é. Nem Dilma, nem Lula, tem obrigação de ler “Os Lusíadas”. Asseguro que qualquer um que o fizer só terá a ganhar e muito – em sensibilidade, em prazer estético, em sabedoria. Arrisco até o palpite que qualquer dirigente que se dê a essa meritória tarefa governará melhor. Mas reconheço que a sabença em si não forma grandes dirigentes da coisa pública. Aí está o Fernando Henrique, que não me deixa mentir. Sabido como ele só, abiscoitou todos os louros que de direito pertenciam ao Itamar, da estabilização da moeda à redistribuição de renda mediante auxílio financeiro direto aos pobres. Todo mundo lembra da cara do FHC quando era recebido por um governo estrangeiro importante – aquela cara de “ah, se mamãe me visse agora”, bem de caipira e parvenu. E da infeliz tirada que tentou, para provar não ser racista, alegando que também ele “tinha um pezinho na cozinha” – e que levou o Zé Simão a batizá-lo com a alcunha definitiva de “a Mulatinha”. Mas não se segue daí que a ignorância gere bons frutos, como mais de uma vez insinuou Lula. Relembro O Stanislau Ponte Preta comentando a embaçadela do Ibrahim Sued, ao afirmar que também Proust fora um colunista social: “É, Lincoln também começou a vida como lenhador; mas, depois dele, nunca mais um lenhador foi presidente dos Estados Unidos”. Grande Lalau, que falta fazes...

9 comentários:

Jorge C. Melo disse...

Muito bom. E o pior é que, à Machado, ele tratou dessas questões – o Pancrácio, de “Bons dias !” pode ser apenas um pequeno exemplo - só que a percepção disso...

Um abraço,

Jorge C Melo

Nancy Castro Nunes disse...

Muito bom Don Carlín!

beijim

Nancy Castro Nunes

Jussara Bivar disse...

Muito bem observado, bem colocado e sobretudo bem-humorado, apesar de o fato em si não ser nem um pouco engraçado.

Menos engraçado ainda é o conceito equivocado que os "espertos e sagacíssimos" emprestam ao termo empreendedorismo; pior é que virou dogma.

Parabéns, Don Carlito. Jussara Bivar

Murilo Lellis disse...

Olá, Don Carlone!

Ha ha! O sinhô arrasô com a cambada! eh eh! Ótimo o artigo!

Um sujeito lê os títulos das obras e já acha que sabe todo o conteúdo!...

Coisa de brasileiro e que tão cedo não mudará!... Murilo Lellis

Dayse V. Mayer disse...

Carlinhos,

O texto é primoroso. Qualquer pessoa diria – mesmo sem apresentações e exposição do seu curriculum vitae – que se trata de um homem cultíssimo e talentoso na ferramenta da escrita. Mas você tem o meu ranço: entrega-se nas emoções. Mas seria capaz de dizer o mesmo a meu respeito e até podar as minhas afirmações (já recebi algumas com satisfação). Tenho pena – de verdade – que você não encontre o canal certo para que o público conheça o seu grande talento.
Dayse de Vasconcelos Mayer


Aline disse...

Antigamente, esse tipo de gente lia pelo menos a orelha do livro. Hoje, nem isso... O tempora, o mores... É isso aí Carlito!!!

Arael M. da Costa disse...

Análise mais que perfeita, não só dos fatos, mas do tempo presente.
Há muito que somos obrigados a conviver com diatribes desse jaez, convivência essa, talvez, inaugurada, com a infeliz declaração do apedeuta de que não se dava ao trabalho de ler livros.
Daí, os desastres que temos visto na área de educação, com resultados "prá lá de lamentáveis".
Até quando vamos ter de suportar manifestações dessa natureza?
Será que a nossa primavera não chega ou é apenas tardia?

Unknown disse...


A Perfeição!?...

Como é contraditória a evolução de nosso conhecimento!...

Um dos Ramos Antropologia Social estuda o indivíduo enquanto evolui e interage no tempo e no espaço – seu universo –limitados por sua compreensão. Mas ocorre que essas dimensões são infinitas, razão do mistério e dos conflitos do homem com a Natureza e consigo mesmo. Isso é tão real que está acima ou além do que afirmam os ramos do pensamento filosófico... ...Mas para o “bem social” precisamos avançar nessa compreensão.

Em princípio as sociedades estabelecem limites entre o bem e o mal imanentes do caráter, muitas vezes extrapolando a ponto de limitar os imanentes da conceituação maniqueísta, admitindo imperfeição no comportamento do “ser humano”, quando deveriam “regular a perfeição”, que rejeitam por não a compreender... ...Se ainda não aceitamos as ações e reações da evolução do “todo”, como vamos aceitar a de uma “parte”, que somos nós interagindo nesse todo?

O saber, a bondade, a benevolência, a verdade e a paz assim como o egocentrismo, a soberba a onipotência, a mentira e a guerra são apenas apelidos consuetudinários dados às ações e reações do homem, que, na natureza, é partícula infinitesimal dessa perfeição não o contrário como somos induzidos a acreditar, pois não somos o centro do universo.

Mas essa compreensão depende de dois fundamentos: a capacidade dedutiva e a mnemônica, que são complementares entre si e congênitas. Os privilegiados ou não pela Natureza, que as tiverem ou não, correrão juntos ou a frente do tempo e do restante e dividem-se em:

a) - Os de percepção completa, que tendem a sublimar-se pela compreensão que têm, exemplo: Leonardo da Vinci;

b) - Os de percepção incompleta, que desenvolvem somente parte de suas capacidades dedutivas e mnemônicas, exemplos: os que se destacam nas áreas: da matemática, da física, da música, da pintura, da Medicina, da Literatura;

c) - Os não privilegiados, que variam da “imbecilidade” (congênita) a “medianidade de percepção”, gravitando dependentes dos dois outros grupos...


Mas a maior virtude do ser humano não é ser mais ou menos: inteligente, rico, poderoso, reconhecido, mas sim ter essa consciência e saber identificar quem é: suas potencialidades, seus limites e suas fraquezas... ...de reconhecer os limites de suas percepções; poder avaliar a “realidade” que o rodeia. Fora isso é o desconhecimento que se sobrepõe, motivo da desarmonia na interação do ser humano com na Natureza.

Muitos entendem isso, outros, no entanto, poderiam dizer ou pensar: como? O que esse cara ta falando, ou melhor, digitando?... Esse cara é maluco; deve estar voltando, de “férias”, da Pinel; ta “viajando na maionese”...

Não lhes contestaria porque estamos, todos, neste contexto e aceito o que são assim como o que sou, pois não posso limitar-lhes, nem a mim, nesse tempo e nesse espaço que são infinitos...

Esse axioma me leva à indagação: que fazem aqueles, que, por dever de ofício, deveriam ter essa compreensão e agirem como moderadores dessa sociedade que está a caminho de se transformar em uma Sodoma e Gomorra?... ...Devemos, no mínimo, pensar sobre isso!

Delmar Fontoura.

Roberto Mannarelli disse...

... escreveu com raiva... penso que a raiva e/ou a tristeza são elementos essenciais aos textos primorosos. o sujeito que tem a vida mansa e pacata só tem competência para escrever bula de remédio ou revista caras.

Roberto Augusto Mannarelli Filho