quarta-feira, abril 24, 2013

TÁ BRABO!!!

Aplicar a Lei ou Fazer Justiça?...
Aline Alexandrino

Sou da turma de 1969 (ano brabo...) da antiga Faculdade de Direito do Recife. Nunca advoguei. Não tinha o estofo nem a personalidade necessária para lidar com o Forum e sabia disto desde o terceiro ano. No entanto, como o curso era seriado, fiquei tentando até o quinto ano pra ver se me identificava com algo. Não adiantou. Fui então cuidar da vida e, apesar de nunca ter exercido a profissão, sempre me utilizei dos conhecimentos vastos e abrangentes que o Direito sempre proporciona a quem quer que o conheça.
   
De uns tempos pra cá, tenho me impressionado com a dificuldade que os profissionais do Direito têm encontrado para compatibilizar o fato de aplicar a lei e, ao mesmo tempo, fazer justiça. Pareceria óbvio que quando se aplica a lei decorre imediatamente dela a justiça. Ledo engano! Em primeiro lugar, porque nem toda lei é justa. Muitas decorrem da necessidade do governo de plantão, ou de grupos corporativos, para citar apenas dois exemplos. Em segundo lugar, e talvez mais decisivo ainda, está o tipo de legislador que tem infestado as câmaras, assembléias, e o Congresso Nacional há já algum tempo. Não vou citar nomes e nem precisa. Qualquer brasileiro, com um mínimo de entendimento e de tempo de vida neste país, pode fazer uma lista dos ditos legisladores, que estão nas instituições apenas para tirar proveito do fato e, popularmente, “puxar a brasa para a própria sardinha”.  Junte-se a isto a quantidade de recursos, embargos, regimes semi-abertos, progressões de pena, “de menores” e que tais, e ultimamente até aplicar a lei tem se tornado um problema, independentemente da questão da justiça.
   
Entretanto, não tinha ainda me dado conta de até que ponto havia uma terceira  determinante que  impedia a aplicação da lei, com a conseqüente obtenção da justiça: os próprios aplicadores do direito. Hoje (23/04/2013) acordei com a seguinte notícia zumbindo nos meus ouvidos, pelas ondas do rádio: Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam - cuja diretora-geral é a ministra Eliana Calmon) anuncia um Curso sobre Improbidade Administrativa.
   
Não entendi nada e então, por precaução (a idade pesa...) peguei meus cotonetes, cheguei mais perto do aparelho radiofônico e fiquei pasma com o que ouvi. Para confirmar, fui ao Dr. Google e olha só o que descobri:

1. O objetivo do curso é o de “ajudar a magistratura a tomar posição para enfrentar a corrupção e a impunidade” (?!)

2. O curso foi criado porque (segundo a ministra) “as ações de improbidade não eram julgadas. Boa parte era arquivada por questões processuais” (??!!)

3. A capacitação possibilitará (segundo a ministra) “sedimentar o conhecimento técnico e intelectual do magistrado” e, além disso, “mostrar que ele não está sozinho nessa luta contra a corrupção”... (???!!!)

Tudo isso porque um levantamento preliminar do CNJ identificou pelo menos 16,5 mil ações de improbidade administrativa que ainda não foram julgadas e uma das metas do VI Encontro Nacional do Judiciário de novembro de 2012 estipula que até o fim deste ano devem ser julgadas todas as ações daquele teor, distribuídas antes de 31 de dezembro de 2011.
   
De acordo com a matéria do Google, o curso terá 4 módulos, a serem efetivados em 4 semanas. O primeiro módulo abordará o cenário de construção da improbidade administrativa, definindo o ilícito (?!) e sua autonomia constitucional, assim como conceituará os sujeitos praticantes da irregularidade, os agentes políticos e os demais responsáveis jurídicos. O segundo tratará dos atos de improbidade administrativa em si, incluindo o controle de atos e fatos administrativos, a tipificação da improbidade, a questão de dolo e culpa e o concurso de infrações. O terceiro abordará a questão das sanções aplicáveis aos atos de improbidade, as sanções cabíveis, a dosimetria e a proporcionalidade, além da prescrição e da decadência. Finalmente, o quarto módulo tratará do processo judicial, onde poderão ser vistos o próprio processo, a validade da prova, a prerrogativa do foro, e outras questões processuais pertinentes.
   
O aluno terá aulas expositivas, fóruns de discussão, exercícios de fixação de conteúdo e terá que elaborar um ensaio final além de, após a conclusão do curso, participar de oficinas quando poderá atuar conjuntamente na solução de casos reais paradigmáticos.
   
Depois disso tudo o que se pode dizer? Eu esperava que um juiz, que passou por experiências anteriores na advocacia, e foi submetido a um concurso público, não precisasse de um curso que contemplasse tantos conceitos básicos. Quando um curso de especialização para juízes precisa definir o ilícito (módulo 1) num caso de improbidade administrativa, alguma coisa está fedendo no reino de Pindorama. Quando se analisa a lista de conhecimentos que o curso pretende ministrar dá vontade de dizer: para o mundo que eu quero descer!!!...
   
Não são de admirar os altos índices de reprovação no exame da OAB, quando se sabe de uma notícia como esta. A pergunta que fica é: se os profissionais de direito estão nesta situação como ficamos nós, pobres e mortais, no meio desse fogo cruzado entre os fazedores e os aplicadores da lei (uns que não sabem o que estão fazendo, e outros que não sabem como e o que aplicar)? Quem souber a resposta ganha o prêmio Ignobel* de 2013 ...

(*prêmio Ignobel é um prêmio concedido para a descoberta científica mais estranha do ano. Os prêmios são entregues a cada outono para honrar estudos e experiências que primeiro fazem as pessoas rir e depois pensar)

Aline Alexandrino é uma espécie de Tia-Bruxa misturada com Mulher-Gato. Grande figura. Grande professora. Grande amiga. Desaparece que é uma beleza e quando a gente pensa que a conhece na sua totalidade eis que ela tira mais alguma coisa do seu cinto de utilidades. Vejamos o que ela nos mostra agora. Mais uma vez, seja bem vinda caríssima:

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