segunda-feira, janeiro 07, 2013

Internet kafkaniana

Alarico Correia Neto

Sem que tenha chegado ao cúmulo do emaranhado burocrático que norteia o romance O Processo, do escritor checo Franz Kafka, senti-me, algum momento, como se vivesse o personagem Josef K., que é preso por um crime não revelado e submetido a um longo processo em que, sem culpa declarada, tem que dizer de que é inocente (de quê, se ele não sabe?).

Embora não tenha sofrido prisão nem sido submetido, literalmente, ao surrealista “processo kafkaniano”, durante quatro meses, estive impossibilitado de usar a minha conta de e-mail alaconeto@hotmail.com, roubada por hackers. E toda vez que eu tentava acessá-la, lá no alto do monitor aparecia a mesma mensagem “Esta conta parece que está sendo usada por outra pessoa”.

Começava, então, uma interatividade sem fim, sem pé, nem cabeça... Ou melhor como muitos pés e cabeças, porque toda vez que eu iniciava o ‘processo’ para reabilitar a minha conta de e-mail chegava em certo ponto que teria de começar tudo de novo. Além desse vai-e-vem inconsequente, o provedor, por motivo de segurança (tudo bem, vá lá que seja), nessa angustiante interatividade, solicitava informações que eu não lembrava mais, tipo: senhas anteriores, personagem histórica preferida, professor preferido, coisa e tal...

Sim, solicitava ainda relação dos cinco ou seis (é demais!) endereços para os quais eu havia enviado mensagens e, haja paciência!, também títulos de mensagens, pastas criadas que não fossem as já existentes. E você, caríssimo leitor (receio colocar no plural), não sabe do pior! Por kafkaniano que pareça, todas essas informações eu as tinha em pasta que mantinha no Word, justamente no notebook que uma quadrilha de ladrões (esses não usavam black-tie nem outro tipo de gravata, mesmo que tenham levado paletós!) me fez uma inesperada visita domiciliar na madrugada de 24 de agosto e levou o dito cujo aparelho.

E agora? O que fazer? Até chamei a polícia pra tentar reaver o notebook e que aproveitasse também suas investigações e ações pra recuperar tudo mais que me foi surrupiado, de televisor, roupas, dinheiro, perfumes, a ferro elétrico, mas não resolveu. Fiquei à mercê da memória, que nesta altura dos acontecimentos, ou melhor, das eras que já marquei no tempo, não é tão presencial.

Lesado e virtualmente desmemoriado, senti-me, de certa forma, como se estivesse naquela atmosfera desorientada e avulsa na qual o personagem Josef K. vive imerso. Sempre que eu dispunha de algum tempo aliado à paciência, tentava novamente a conectividade prometida pelo provedor e lá vinha aquela série reticente de perguntas; RG, CPF, endereço residencial, CEP, endereço de e-mail, login e logo... Que logo nada! Foram quatro longos meses, porque, quando a gente espera, o tempo passa lentamente, quase parando.

Só agora no início de 2013, após lembrar num esforço hercúleo e anotar todas aquelas informaçoes exigidas pela Microsoft (pelo menos a maior parte), numa tentativa que me levou madrugada adentro no segundo dia do ano, mudando senha, mudando código, mudando o escambau, o diabo a quatro, consegui recuperar a minha conta alaconeto@hotmail.com.

Feliz Ano Novo! Pois lá estavam as quase 1.000 mensagens que me foram enviadas de E-mail, Twitter e Facebook, aguardando a minha confirmação de recebimento e adicionamento. É o que vou fazer a partir de agora, já que consegui vencer o kafkaniano processo a que fui forçado pela ação de hackers e a que fui sumetido na internet pela Microsof, “por medida de segurança”.

Alarico Correia Neto é Jornalista e professor (inativo) da UFPB
(alaconeto@gmail.com)

Nenhum comentário: