Neste verão o sol abunda.
Hugo Caldas
Lá vem chegando o verão, cantou o poeta. Tempo de sol, de sal, de saúde, de gente bonita ornamentando as praias. Lá vem chegando também: Pivete, rato de praia, cheira-cola, trombadinha, assalto, arrastão, coliformes fecais, mendigo profissional, alta desenfreada e criminosa nos preços do sorvete nosso de cada dia, da água de coco, frutas e cervejas, poluição sonora, trio elétrico bradejando aos quatro ventos a abominável música baiana, carro de som de político ladrão, epa, tubarão comendo surfista, turista alemão comendo... Um deslumbramento para a mais pura babaquice tupiniquim. E o calor do bute? De derreter os untos, de ananases, como diria o personagem do Eça de Queiroz.
Cheguei à Mauricéia desvairada em abril de 1959 e até hoje não acostumei com a canícula. Oh, terrinha quente e cheia de muriçocas. Aliás, essas pestes de muriçocas me perseguem. Senti na pele essas abomináveis criaturas em Caracas (pré-Chavez) onde são conhecidas como "sancudos." Outra vez, em Los Angels me deparei com uma monstruosidade, parrudão mosquito de primeiro mundo no hotel. Um horror! Aqui, moro na praia, mas não vejo nem sinal de mar. Muito menos ouço o barulho do mar. Não sinto o cheiro do mar. Ao contrário, sinto cheiro de óleo diesel. O mesmo cheiro que senti quando por aqui cheguei pela primeira vez. Ficou na minha memória olfativa. É, as cidades têm cheiro. O de Salvador é acre, entrando pelas ventas. Xixi puro. O centro do Recife não fica atrás. Com esse calor então, torna-se absolutamente inviável tentar viver por aqui. Não existe dinheiro para limpar as ruas, para cuidar da urbe. Melhor brindar Escola de Samba do Rio de Janeiro com 3 milhões de Reais do Erário Municipal. Hoje mesmo, vi na TV, 3 funcionárias públicas, provavelmente da prefeitura, felizes da vida porque "iam realizar o sonho das suas vidas," ou seja desfilar em plena Sapucaí, na Estação Primeira de Mangueira, devidamente paga para exaltar os 100 anos do Frevo. A realização deste "sonho" nos custou 1 milhão por cabeça.
As pessoas parecem se acostumar com todo esse descaso. Julgo que ninguém liga mais pra nada. Tudo muito sujo. Todos acham muito normal e tudo se configura em motivo para um sorrisinho meio maroto, sardônico. Não, não é sorriso amarelo de desapontamento. Talvez um tique nervoso. Cuido que todo mundo aceite como normal, a imundície.
Sujeira, porém de outra natureza, é quando os preços continuam a subir. Mormente no inicio do ano. Sempre a mesma ladainha. A compra do material escolar para os filhos. Entressafra e queijandos. Os debiloides se contorcem em incríveis acrobacias para cumprir com os compromissos assumidos na euforia das festas de fim de ano seduzidos que foram pelo marketing criminoso de uma mídia deletéria e seus apelos mirabolantes. Compre, compre, compre! Eu acho é pouco!
É no verão, nesse começo de ano, quando mal atravessamos as festas que já emendamos no carnaval. Em pleno janeiro tudo leva a crer que o carnaval deste ano será como sempre, muito superior ao do ano que passou. E tome comercial na TV, e tome samba enredo, mais parecem um caminhão cheio de japoneses, tudo igual epa, olha o politicamente incorreto aí, gente!
Com todo esse papo de verão forçoso será reconhecer que o clima da terra mudou e muito. Para pior. Os guardas de trânsito do Recife na década de 50, encarapitados numa espécie de guarita no meio da rua, envergavam fardamento cáqui composto de dólmã abotoado ou gravata. Os propagandistas de laboratório além de carregar uma bolsa pesadíssima, vestiam terno de tropical, com gravata. O calor não era essa maluquice de hoje. Na Avenida Guararapes ficava o Bar Savoy, reduto do melhor e mais honesto chope das redondezas. Recanto boêmio, abrigava a mais fina flor da intelectualidade da época. Era lá que matávamos a nossa sede. De chope gelado e de cultura. É lá que ainda hoje se encontra, espero, a placa com trecho de um poema de Carlos Pena Filho:
"Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chope,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.”
O Recife era mesmo risonho e franco. Outros tempos, outras circunstâncias. Hoje, uma bela cidade maltratada. Os antigos casarões da Rua da Aurora lembram em sua arquitetura, São Petersburgo antiga capital da Rússia, que a comunistada teima em chamar de Leninegrado. Sem dúvida, novos tempos.
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