
Dayse de Vasconcelos Mayer
Houve uma época em que tudo principiava pelo vocábulo sistema. Eis o tempo adequado à revitalização do vocábulo: o filho recebe um carronuma fase de vacas magras. O pai cedeu ao medo da crítica: “Vão dizer que meu filho anda de ônibus...” Seguem-se as despesas fixas com combustível, seguro, etc. Acalorado com a prenda, o estudante estoura a mesada com os passeios noturnos. Atrasa-se no horário do colégio.
Abespinhado com as ameaças do pai, colide com outro automóvel. O prejuízo implica a explosão da bolha familiar. Dirão: imaginação em excesso? As novelas televisivas carregam com tintas de glamour a
profissão de empregada doméstica. Este fato acabou por afetar os neurônios dos nossos representantes. É o caso da recente Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 478/2010, que amplia os direitos dos
empregados domésticos, incluindo a obrigatoriedade de recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), carga horária semanal de 44 horas, adicional noturno e horas extras. A categoria reúne 6,6 milhões de “votos”.
A PEC vai melhorar, sem dúvida, o desempenho do PT. Mesmo esquecendo a pecha de tornar a Constituição um amontoado caótico de preceitos que caberia à lei ordinária adotar, logo impressiona o fundamento da relatora Benedita da Silva (PT-RJ):
“Temos que moldar a nova classe média às necessidades de garantias de direitos dos empregados. Não podemos mais manter os costumes que vigoram desde a escravidão”... “Se a família tem quatro (empregadas), que passe a ter três...”. Rica Benedita! O uso do cachimbo entorta a boca. A deputada vislumbrou as diversidades regionais e a situação da nova classe média? Está a pensar nas mansões do Lago Sul, em Brasília, nos apartamentos de Ipanema e Leblon, no salário dos grandes executivos, na elite burocrática...?
A verdadeira classe média conta os trocados. É o caso dos professores. Muitos não têm dinheiro para pagar sequer uma faxineira. Vivi anos na Europa. Não tinha auxiliar doméstica fixa. Fazia refeições na Universidade (comida boa e barata). O serviço de limpeza da casa era feito por uma africana formada em administração de empresas e sem jeito de arranjar trabalho condizente. As escolas funcionavam em dois turnos e as mães podiam trabalhar fora de casa. Benedita também deslembra que temos uma população de velhos.
Quem cuidará desse grupo, considerando que os filhos precisam trabalhar? Outro fato: família não é empresa e não visa lucros. Pai não é empregador e mulher e filhos não são empregados. Espaço familiar é o lócus para a espiritualidade. É o ambiente para a construção solidária de projetos, mesmo irrealizáveis. É o recinto não apenas para a vivência partilhada de alegrias, mas também de adversidades ou sofrimentos.
Será que a deputada conhece bem a história da escravidão no Brasil e a realidade social subsequente à libertação dos escravos? Já ouviu dizer que muitos ricos contratam empregados pelas suas empresas com a finalidade de inflar a folha de pagamento e reduzir impostos? Que muitos burocratas usam motoristas oficiais na condição de preparadores de churrascos nos finais de semana? Mas é preciso
coragem para comentar o óbvio sem receio de ser taxado de conservador e direitista. A propósito, ainda se usa no Brasil a contraposição direita/esquerda?
Dayse de Vasconcelos Mayer é escritora, advogada, docente universitária e investigadora das relações de poder - dayse@hotlink.com.br
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