Hugo Caldas
O engenho era lá pras bandas do município de Espírito Santo, no brejo paraibano. Coronel Chico Inácio, o seu nome. Pode até parecer personagem de Jackson do Pandeiro, mas ele realmente existiu. Chegava a ser meu contraparente. Um de seus filhos estava de casamento marcado com uma irmã do meu pai. O casamento foi realmente oficiado algum tempo depois dos sucessos aqui relatados.
Contam-se inúmeras histórias sobre a controvertida figura. O Coronel era um brutamontes, mas tentava ser gentil à sua maneira, evidentemente. No dia aprazado para a festa do noivado da sua filha, meu pai, um garotão mal saído dos cueiros, chegou atrasado à casa grande e quase foi impedido de entrar confundido que foi com algum penetra das redondezas. Negociações, idas e vindas, finalmente, chega o coronel que, satisfeito com as respostas do jovem, saiu-se com essa:
- "Então, é irmão da moça? Entre, não dê bom-dia, a casa é sua!”
De uma feita, um dos seus moradores veio até a casa grande, humildemente pedir ao "coroné" que o ajudasse a comprar uma galinha na feira, pois a sua mulher estava parida e a parteira havia receitado uma canjinha para recobrar as forças. Nesse instante, toda a sabedoria do coronel, mesclada com a maior das ironias, veio à tona. Sentindo-se meio injuriado com essa conversa de canja de galinha pra mulher de morador, berrou lá pra dentro da casa:
- Etelvina, o que é que tu come quando tá parida?
- Jenipapo, Chiquin, foi a resposta imediata.
- Tá vendo? A mulher do Coroné Chico Inácio come jenipapo quando está nos seus resguardos. O que é que a sua tem de melhor para ter de comer canja de galinha? Que conversa é essa?! E acrescentou...
- Tá vendo àquele pé de jenipapo ali perto da porteira? Pois bem, vá lá pegue um dos que estão no chão, só um, e leve pra sua mulher. Ela que não pense que é melhor do que a minha... mas olhe, é emprestado, viu?! Qualquer dia você vem aqui e me dá de volta outro jenipapo. Negócio de homem.
O morador, que jeito, teve que se contentar com essa malsinada solução e se encaminhou até a entrada do engenho. Apanhou um, só um e se preparou para abrir a porteira quando ouviu o coronel chamando-o de volta. Prestimoso, voltou, jenipapo na mão.
- Mas rapaz, tu já viesse pagar o jenipapo que eu te emprestei?
- Você é realmente uma pessoa por demais honesta e isso conta muito ponto comigo. Pode deixar o jenipapo aí mesmo no chão e não precisa agradecer. A patroa deve de estar passando bem, espero!
De outra feita ele foi contra as forças dos Elementos e da Religião:
Conta-se que havia chovido demais no sertão. Certa manhã o coronel foi acordado pelos empregados do engenho que davam conta estar o Rio Paraíba enfurecido, vinha comendo um galo, arrasando tudo que encontrava pelo caminho, cheio e forte que nem um castigo.
De imediato, Coronel Chico Inácio tomou suas providências. Havia em terras do engenho uma pequena capela consagrada a São Benedito. Anos fechada. Deu ordens expressas para que a casa de Deus fosse devidamente aberta e passasse por uma limpeza em regra. Um padre foi contratado na capital. Missas e novenas foram rezadas durante uns quinze dias. Para enfrentar o rio, tudo feito de acordo com o figurino da Santa Madre Igreja.
Uma bela manhã, ao acordar, oh decepção, oh dor! Só restavam uns catoquinhos de cana na outrora verdejante plantação. Prejuízo total. O rio levara tudo.
Decidido, o coronel dor lancinante no peito, mastiga a ponta de charuto na boca e se dirige à capela. Com um vigoroso pontapé abre de par em par as portas. Morcegos voavam desencontrados pela nave. Encara o Santo Padroeiro...
- Negro safado! Então essa é a sua paga pelo que eu gastei botando ordem na sua casa? E o padre, e as missas, as novenas, de nada valeram? Cheio de ódio, exorta os morcegos...
- "Caga morcego, faz tulha na cabeça desse corno!"
Um Feliz 2013 para todos...
Um comentário:
E a sua história vai crescendo, vai crescendo...
W. J. Solha
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