W. J. Solha
Sempre achei que ator é como a terra fértil em que sementes de laranjas fazem a laranjeira; o caroço de manga, a mangueira; o de abacate, o abacateiro. Mas convidado para um teste de novo longa-metragem recifense, li a cena que deveria viver como amostra, depois a sinopse do filme, e me declarei incompetente para o papel: o personagem era visivelmente calcado em ninguém menos do que Jomard Muniz de Britto, cuja presença sempre me impressionou pelo carisma, bela voz e enorme entusiasmo (etimologicamente “possessão divina” ) com que instrumentaliza qualquer palestra sua, acrescentadas densa cultura, intensa biografia. É tal meu respeito por ele, que foi um dos primeiros nomes de que me lembrei pra mandar meu novo trabalho - “Sobre 50 Livros” – e aconteceu que recebi dele, na volta do correio, pra vê-lo crescer ainda mais a meus olhos, seu recente “A Língua dos Três Pppês: Poesia, Política e Pedagogia”, livrão vistosamente editado pelo SESC Pernambuco, 247 páginas de 27 x20 cm, contendo grande quantidade de suas entrevistas, tão brilhantes e vivas quanto os manifestos e ensaios - dele e sobre ele - que fazem parte do conjunto organizado por Antonio Cadengue e Igor de Almeida Silva.
Jomard se define, nessa obra:
- Sou agitador cultural, professor ótimo, amigo excelente. Poeta, não.
Ele tem no livro, no entanto, textos poéticos fortes, como o “Retorno aos Abismos da Pernambucália”, em que começa dizendo “Essa vontade de ser aprendiz de feiticeiro acaba me matando. / Essa vontade. / Essa vontade de ser. / Essa vontade de ser O IDIOTA. / Essa vontade de ser O IDIOTA DA PERNAMBUCANIDADE.”
- Sou, como professor – diz noutro ponto - uma pessoa que exerce uma força de atração muito grande em todo tipo de aluno. Esse Eros pedagógico é a minha herança dos gregos. Não se trata de criar climas de professor apaixonado por aluno ou aluno por professor. É um envolvimento geral. Porque a educação – como sabia Paulo Freire – é um ato de amor!
- O passado – brada, com veemência - não é colecionado, mas selecionado, e a memória se torna consciência progressiva através do esforço da reflexão!
E seu texto se enriquece ainda mais pelo uso de palavras-valise, tipo de-formação, lixeratura, fricção, escreviver, camonizando, ré-pública pré-tensão, pro-fundo:
- Subempregado como professor universitário, preciso inventar outras atividades paralelas e complementares para – pelo menos – não envilecer de tédio.
Nenhum educador, nenhum artista nordestino pode prescindir dessa leitura. E que Jomard, pelo carisma, bela voz, densa cultura, intensa biografia, e entusiasmo (“possessão divina”) tenha encontrado um grande ator para o seu papel. Sugeri que o convidassem.
Um comentário:
Solha,
muito bom falar de Jomard essa pessoa exuberante, irreverente, inteligente, dinâmica, culta e muito amiga. Quando o conheci em 1972 sabia que tinha feito a melhor escolha ao cursar Relações Públicas na ESURP tendo ele como professor de Comunicação. Muito respeitado no meio acadêmico tornou-se meu amigo. Muito justa a homenagem em filme sobre ele.
Abraço, Mary
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