Volta, Anco!

Há tempos o Site do amigo Anco Márcio, "Romance da Cidade," está inativo. Anco teve graves problemas de saúde e a recuperação, de acordo com o seu filho Davi, está sendo bastante morosa. Isto é preocupante quando sabemos como as coisas ocorrem neste país. Longe dos olhos, longe do coração, daqui á pouco o meu amigo Anco Márcio de Miranda Tavares vai terminar sendo esquecido. Isso não pode acontecer. O Blog do Hugão se propõe a um compromisso, qual seja o de postar semanalmente um dos seus belos e às vezes intrigantes textos. Até a sua recuperação total. Volta, Anco. HC

O ANJO DA MINHA RUA

Anco Márcio de Miranda Tavares - Em 14/04/2011

Ela tem onze anos, mas aparenta menos. O corpo deformado pela paralisia lhe dá um ar de mais menina do que é. Seu nome é Amanda, mas eu não a chamo pelo nome. Anjos não necessitam disso. Ela me reconhece e me saúda com o mais belo de seus sorrisos se é que tem algum sorriso de anjo que seja feio.

Tem paralisia cerebral e por isso não fala. Não fala com a boca, bem entendido. Seus olhos pretos e grandes falam mais do que qualquer língua por que falam a língua dos anjos, dos preferidos por Deus.
Certamente que Amanda tem uma missão aqui na Terra. Ela não viria para cá em vão...

Anteontem fez um esforço tremendo e passou a mão no meu rosto. Sua mão parecia pesar uma tonelada. Foi a melhor carícia que recebi na minha vida, uma carícia de uma pessoa que não tem a noção exata de estar viva, mesmo por não precisar dessas coisas terrenas. Quando ela faz um esforço e se ergue da sua cadeira de rodas, chega até o céu.
Ele murmura sons que somente os anjos entendem e dia desses quando lhe dei uma flor silvestre, ela me retribuiu com o mais belo dos sorrisos. Nem precisou falar nem dizer nada...Seus olhos e seu sorriso meio torto diziam tudo. Ele é uma pessoa perfeitamente normal dentro de suas limitações e por isso é feliz...

Amanda de agora em diante passou a ser meu anjo da guarda e por ele eu oro todas as noites, todos os dias. Não conheço seus pais, conheço apenas a menina que empurra sua cadeira de rodas, que lhe ajuda a viver. Ela, a menina, a acompanhante, me disse que Amanda freqüenta a escola e aprende o que pode.

Mas minha amiguinha Amanda, esse anjo caído do céu, não necessita saber de maia nada. Ela fala a língua dos homens com os olhos, com os murmúrios, com os sorrisos com os gestos das mãos deformadas, mas que para mim parecem tão bonitas, parecem mãos de anjo verdadeiro desses que enfeitam o presépio.

Quem a criou, o Deus que a criou, deve ter uma imensa inveja de mim por ser seu amigo, por vê-la diariamente, por ela ter parado obrigatória na minha porta, por ela me chamar de "Tatô" numa singeleza que somente os puros de coração e mente entendem. Amanda é pura como um botão de lírio.

Sua babá me disse que ela viveria pouco, me afirmou que ela talvez nem chegasse aos vinte anos...Quanta pena senti...Quer dizer que Amanda tem apenas nove míseros anos? Será que é justo isso pra esse anjo que anda de cadeira de rodas, por não ter asas, que murmura por não poder falar?

No dia que Amanda morrer eu não quero vê-la.Não quero vê-la naquela imobilidade, naquela placidez da morte. No dia que sua cadeira de rodas não passar na minha porta eu saberei que ela alçou vôo, eu saberei que dentro de suas limitações ela consegui subir tão alto que chegou a Deus.