domingo, outubro 21, 2012

Meu Tipo Inesquecível – Pascoal Carrilho

Pascoal Carrilho, O Galã
Hugo Caldas

Durante muitos anos, a Rádio Tabajara funcionou em um prédio de dois andares, estilo Art Déco, bem na esquina da Rua da Palmeira com a Almeida Barreto, por trás do Palácio da Justiça. Para se subir tínhamos por força que usar uma escadaria empinada que nos levava aos estúdios, ao auditório, bem como aos escritórios, sala de controle e de ensaios, tudo no segundo andar. Pelo fato de uma tia trabalhar no escritório da PR-I 4 eu, na minha pré-adolescência perambulei por aqueles corredores, aquele universo estranho, mágico e único. Convivi e conheci tipos incomparavelmente formidáveis na época e que se agigantaram com o passar do tempo.

Pascoal Carrilho foi uma dessas pessoas. Estatura mediana puxando aos 1.70 de altura, meio gorducho, eterna cara de bonachão, bigodinho de galã mexicano, cabelos cortados rente, bem penteados à custa de muita brilhantina Glostora. Um tremendo "speaker". Falava com a gente como se estivesse diante do microfone. Em voz alta, bem explicada e sibilante pelo efeito acústico que produzia uma chuva de desagradáveis perdigotos. Era "casado" com uma linda garota quase da nossa idade, fato que nos causava, a mim e aos outros garotos da cidade uma inveja descomunal. Grande comunicador que via de regra, pela empolgação, saia-se mal nas transmissões externas. Certa tarde ao transmitir um Auto Esporte x Treze durante um qüiproquó causado pelo goleiro do Treze, saiu-se com essa:

- "Cu de boi na área do Treze"!

Tomava uma cana acertada. Era talvez, a sua maneira, o seu conceito de viver a vida intensamente. Corriam inúmeras histórias sobre todo o mundo dentro da Rádio. Uma bem interessante dá contas de uma cachaça que Pascoal tomou muito bem acompanhado pelo cantor cubano Bienvenido Granda, "Tu Precio, Angústia, No Toques ese Disco", aquele mesmo do bigodão, que por insondáveis desígnios, viveu por algum tempo na cidade. A carraspana se estendeu por vários dias. Ao cabo do décimo quinto dia de libações os dois, não se sabe qual teria sido a razão, resolveram se separar. Reapareceram uma semana depois, cada um em um lugar diferente. Pascoal em Campina Grande e Bienvenido em Currais Novos, no Rio Grande do Norte. Absolutamente desorientados famintos e perdidos. Não sei se foi verdade. Só sei que foi assim.

Certa vez, Pascoal em pleno palco, que era separado da platéia por um enorme vidro, apresentava um programa matinal. Vale dizer que Pascoal era que nem o Chacrinha antes de o Chacrinha aparecer na TV. Ele era o faz-tudo. Escrevia, dirigia, interpretava papéis e fazia o comercial. Nesse dia o patrocínio era da "Aguardente de Cana Praianinha". Pascoal microfone em punho berrava aos quatro ventos:

- "Beba Praianinha, a melhor aguardente do Brasil. E se prolongava na sua arenga: Eu bebo Praianinha, Antonio Lucena (diretor da Rádio) bebe Praianinha, o maestro Nozinho bebe Praianinha, todos nós bebemos Praianinha". Nesse exato momento um rapaz lá do fundo da platéia grita: 

- "Já está bêbado a essa hora né, Pascoal? Ele não se fez de rogado. Chispou de volta:

- "A mãe daquele rapaz também bebe Praianinha"!

O programa virou bagunça.

Como era um dos melhores locutores da Rádio Tabajara, Estação do Governo do Estado, e por ser o único que possuía um "smoking" Pascoal foi destacado para ser o locutor oficial das cerimônias do Palácio da Redenção, sede do governo. Essas coisas só acontecem na Paraíba. Durante uma data festiva uma comemoração qualquer, onde os convivas envergavam traje a rigor, Pascoal do alto da sua elegância e finura transmitia o dito jantar.

Durante a transmissão, o pessoal na rádio, Antonio Lucena à frente na maior torcida, tecendo os maiores elogios ao apresentador, tudo correndo às mil maravilhas, quando não mais que de repente Pascoal esmerou-se:

- "Atenção, senhores ouvintes, o jantar finalmente já está sendo servido, e já estão comendo o governador, a sua esposa e até Sua Reverendíssima o Arcebispo de João Pessoa... o Comandante do 15º Regimento de Infantaria e várias outras figuras de somenos importância"... desolado Antonio Lucena se retira da sala resmungando:

- "não se pode elogiar o filho da puta"! 

De outra feita, já nos anos de chumbo, Pascoal transmitia a chegada do general-presidente Ernesto Geisel a João Pessoa. Ao anunciar o desembarque do ditador, com sua voz característica, ouviu-se uma inesperada e sonora vaia. Enquanto a comitiva ainda descia do avião, ele mandou:

- Acaba de desembarcar o Presidente... "e esses moleques..."

"Esses moleques" pareceu deveras atrevido, petulante, um impertinente insulto aos ministros e seus respectivos aspones. Cortaram de imediato a transmissão sem que Pascoal pudesse concluir a frase:  O resultado é que ele passou o resto da sua vida tentando explicar que sua bronca fora contra a malta que vaiava, e não contra o general.

Pascoal Carrilho deixou para sempre este mundo ingrato no ano de 1985, em pleno domingo de carnaval. Hoje, existe uma praça com o seu nome no bairro do Geisel, o tal general da questão.

11 comentários:

Osman Godoy disse...

Olá Hugo
Vc sempre me surpreendendo com as evocações da J. Pessoa da nossa juventude.
Estive algumas vezes no programa de auditório do Pascoal Carrilho e lembro-me de ter ouvido o Alcides Gerardi e o negro Eclise que era soldado do 15 RI.Alíás eu fui na intensão de prestigiar o Eclise que era subordinado a meu pai no quartel e frequentava a minha casa na Rua Diogo Velho 669.
O Pascoal era uma figura.
abrs
Osman

W.J. Solha disse...

Mais uma de suas fascinantes passagens, Hugo. Mas você também foi tomar uma Praianinha antes de
ao escrevê-lo, deixando-me sem saber se o seu personagem foi indicado pra transmitir a cerimônia do Palácio por ser o melhor locutor da Tabajara ou por ser o único que tinha smoking. Na verdade tomei também e vi que a fome se juntou com a vontade de comer, pois está claro que ele era o melhor e, por isso mesmo, tinha smoking.

W. J. Solha

Guy Joseph disse...

Hugão: o uso que você faz da internet, universalizando a nossa pequenina aldeia paraibana, está a merecer homenagens.Parabéns!
Entre os causos de Pascoal Carrilho, lembro da célebre cobertura ao vivo, do enterro do Dr. Napoleão Laureano, quando na ânsia de cobrir o mais fiel possível, Carrilho terminou caindo na cova aberta, destinada a Napoleão. Dizem, que êle não perdeu a fleuma e continuou transmitindo: "PRI4 trasmitindo, perto do fato, para mais longe!"
Abraços
Guy Joseph
PS. Pascoal era o locutor oficial das cerimônias do Palácio da Redenção.

Hugão disse...

Caro Osman
O Eclipse foi uma "invenção" do Pascoal. Gostou da voz do negão o apadrinhou, e o batizou de "Eclipse" porque já existia um "Blecaute". Bons tempos sem os chatos dos politicamente corretos.
Grato. Hugo

Hugão disse...

Guy
Grato pelas lantejoulas. Gostei também da sua postagem
no Facebook sobre o conflito artista x fotógrafo. Posso postar aqui no meu humilde Blog? Abraço. Hugo

Hugão disse...

Solha

As duas hipóteses estão valendo. Melhor speaker e o smoking. Grato. Hugo

Arael Costa disse...

Caro amigo Hugo

Vale relembrar, também, dentre as muitas façanhas do Pascoal, o anúncio que ele fez, do palco do Calouros em Desfile, que apresentava na Tabajara, da loja de Tecidos A Preferida, na Beaurepaire Rohan, em que após listas vários preços de tecidos, tascou: "Vai vender barato assim na casa do caralho".
Vale, também, nos idos de '50 (meu pai era diretor da Rádio), na abertura de uma exposição de animais, no recém construido Parque de Exposições de Animais, em Bayeux, em dia de chuva, pelo Gov. José Américo.
Pascoal, também por falta de outro locutor (Jacy Cavalcanti, Linduarte Noronha, Marconi Altamirando fizeram "forfait"), foi lá e no instante em que o governador chegou, Pascoal,na chuva e naturalmente com algumas lapadas para evitar a gripe, microfone molhado, tascou quando o operador fez sinal de abertura do canal "Aí vem o senhor Governador da Paraíba - eita choque da porra, Ministro José Américo de Almeida". Dito isto, jogou o microfone para a outra mão, levou outro choque e aí completou: "vai dar choque assim na puta que pariu" e jogou o microfone no chão, encerrando a transmissão, no ato, pelo curto que provocou no equipamento.
Um abraço e bom domingo.
Arael

Plinio Palhano disse...

Caro Hugo Caldas:
Não parei de rir com as histórias desse grande locutor Pascoal Carrilho; é de se dobrar de gargalhadas, e contadas com a sua arte de narrar os fatos se tornam mais vivos ainda.
Parabéns!
Grande abraço

Nazareth Xavier disse...



KKKKKKKKKKK. Só você mesmo Hugão pra desenterrar Pascoal Carrilho de forma tão gostosa de relembrar. Nêga Naza

Carlos Cordeiro disse...






Muito bom, o brogue dessa semana. Leve, engraçado. A matéria sobre o
Paschoal Carillo tá supimpa. Eu me lembro que quando ele ia transmitir
alguma coisa ao vivo a molequeira caía em cima, e ele sempre se voltava
e dizia: "Alô, Mamãe, a senhora já está ai?" Era bom de cana, o velho,
mil furos acima da média pessoense. Carrim

Ninótchka Carrilho disse...

Sou filha de Paschoal Carrilho.Grata pelas lembranças!