quarta-feira, agosto 01, 2012

VENEZUELA, PARAGUAI, BRASIL


Clemente Rosas

O Professor Celso Lafer, ex-Ministro das Relações Exteriores e especialista em Direito Internacional, que me honra com a sua amizade, publicou, em jornal de São Paulo, artigo com o título: “A Ilegalidade da Incorporação da Venezuela ao Mercosul”.  Nele expõe, de maneira irrefutável, como a precipitada decisão dos parceiros Brasil, Argentina e Uruguai, a ser consumada em 31 do mês corrente, com o Paraguai suspenso, fere o Tratado de Assunção (art. 20), o Protocolo de Ushuaia (art. 4º) e o Protocolo de Ouro Preto (art.32), e desrespeita ainda a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, vigente no Brasil (arts. 26 e 31).

Não há o que acrescentar – menos ainda contrapor – aos argumentos do Professor Celso Lafer, que, de maneira elegante e profissional (embora seja homem de sólidas convicções socialdemocráticas e republicanas), restringe-se ao aspecto jurídico da questão.  Mas eu, modesto articulista bissexto, ouso explorar o aspecto ético-político do episódio, convidando à reflexão meus velhos companheiros de lutas estudantis, hoje dispersos em vários partidos, situacionistas ou de oposição ao Governo.  Faço-o exatamente como fiz, há quase três anos, por ocasião de outra “pisada na bola” da nossa diplomacia (“Honduras e Nós”, JC, 05.11.2009).

Qual o fundamento, ou melhor, o pretexto que invocamos para a suspensão do Paraguai do Mercosul, medida que abriu espaço, mesmo de forma especiosa, para a controvertida admissão da Venezuela?  O presidente paraguaio foi declarado impedido, quase unanimemente, pelas duas casas legislativas do seu país, onde sequer teve ânimo de apresentar-se, para fazer a sua defesa.  Aceitou a decisão passivamente, só depois demonstrando inconformidade, às instâncias dos países vizinhos.  A simples celeridade do processo de “impeachment” seria, então, suficiente para eivar de invalidade veredicto tão esmagador?

Não conheço precedente para uma decisão congressual tão acachapante, que evidencia, de pronto, a incompetência política do Chefe do Executivo, já desacreditado como cidadão: um ministro religioso ao redor de quem pululam filhos ilegítimos e que tem sido alvo de sucessivas investigações de paternidade. Nem a deposição do Presidente Fernando Collor, que mobilizou o Brasil inteiro, teve tais características.

Não se argumente, por outro lado, que o Congresso do Paraguai é dominado por oligarcas, golpistas, sem legitimidade para a atitude tomada.  Pode até ser verdade.  Mas não nos compete tal juízo de mérito, como não nos compete descredenciar a democracia paraguaia, ou querer remendar suas imperfeições.  Temos também as nossas.  Aceitaríamos uma contestação do “Império Americano” ao nosso Congresso, por conservador e patrimonialista?

Para concluir, sem deixar de considerar o aspecto econômico, ou geopolítico, da questão, concordo: não podemos desconhecer que o mercado venezuelano, vinte vezes maior que o paraguaio, é mais importante para nós que o do nosso pobre vizinho.  E sendo assim, apesar das trapalhadas do seu atual “comandante”, devemos incorporá-lo.  Mas não ao preço de espertezas, de subterfúgios que podem comprometer nossa credibilidade internacional, penosamente conquistada ao longo dos últimos anos.  
                                               
Clemente Rosas é consultor de empresas
clementerosas@terra.com.br


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