Meu sujo pedaço de mar
| El Maleconazo, 5 de agosto de 1994 - Foto de Karel Poort |
Porém na manhã de 5 de agosto daquele ano o Malecón se converteu num campo de batalha. Ao redor do cais até o povoado de Regla as pessoas foram se aglomerando, estimuladas pelo seqüestro de várias embarcações ao longo desse verão. Uma abrangente sensação de final, de caos, de “hora zero” era palpável no ambiente. Os que aguardavam o “próximo barco até a Flórida” eram os mais pobres, os que menos tinham a perder e os dispostos a tudo. A decepção foi grande quando comprovaram que não haveria possibilidade de embarcar em nenhuma dessas lanchas. Sem dúvidas essa consistiu na chispa da revolta popular que foi imediatamente desencadeada após; porém o combustível do protesto estava preparado pela fome, as carências e o desespero.
Um contingente de trabalhadores da construção, disfarçado de “povo enfurecido”, investiu com paus e barras de ferro contra a multidão desarmada. A ordem emitida do alto era clara: esvaziar a rebelião, porém não deixar imagens dos anti-motins reprimindo o povo. Os indignados daquele evento foram qualificados como “lumpes, insetos, deliquentes e contra-revolucionários”. A maioria deles emigraria nas semanas posteriores em balsas feitas em casa ou em simples câmaras de ar de caminhão infladas. Outros purgaram na prisão por enfrentarem as tropas de choque. Fidel Castro apareceu no lugar – só quando a situação estava sob controle – e os meios oficiais exibiram sua presença ali como a confirmação de uma grande vitória. Porém o certo é que poucas semanas depois o governo teve que permitir o mercado livre agrícola para aliviar as penúrias. Sem a pressão exercida naqueles 5 de agosto teríamos acabado como um “Camboja democrático” em meio ao Caribe, como a experiência de um Pol Pot cabeça dura tropical.
Já não gosto de sentar-me em frente ao meu sujo pedaço de mar. Alguma coisa do horror daqueles 5 de agosto ficou ali, enfiado nas gretas do muro.
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| Foto de Karel Poort |
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Tradução e administração do blog em língua portuguesa por Humberto Sisley de Souza Neto

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