Eduardo Almeida Reis
Atraso – Em rigor, vi-me reduzido a 97 palavras e só hoje preciso de 1.500. Assuntos há, mas como escrever sobre eles? Se digo os nomes dos envolvidos, me desavenho com os seus herdeiros. Sem dizer os nomes pode parecer ficção, quando foi a mais pura verdade, ainda que os fatos sejam impuros.
Se é assim, vamos lá! Vejo no obituário de um dos jornais que assino a notícia do passamento de velho conhecido. Não diria amigo, mas velho conhecido. O referido cavalheiro era filho de afamanado delegado de polícia, do tempo em que as polícias tinham delegacias de costumes. Entre outras funções, o delegado de costumes cuidava de impedir a existência do lenocínio, que, como sabe o leitor, é ação de explorar, estimular ou favorecer o comércio carnal ilícito, ou induzir ou constranger alguém à sua prática.
Casas de lenocínio são exploradas por caftinas, mulheres que vivem da exploração de meretrizes, especialmente como administradoras ou proprietárias de prostíbulos. Isso não impede a figura do cáften, indivíduo que vive da prostituição, seja explorando meretrizes, seja estabelecido como dono de prostíbulo.
Para permitir que os prostíbulos continuassem funcionando, o delegado, que conheci pessoalmente, sujeito simpático, sempre de terno branco e revólver niquelado na cintura, tomava dinheiro das caftinas e dos cáftens, que, por sua vez, nem sempre tinham dinheiro vivo para pagamento das “taxas de zoneamento”. Boa essa, né?
Naquelas emergências, recorriam à nota promissória, termo jurídico para promessa de pagamento emitida pelo devedor em favor do credor, que deverá ser cumprida no vencimento convencionado. Até aí, tudo bem. De original, no caso que já me rendeu 260 palavras, somente o fato de o referido delegado endossar as notas promissórias ao descontá-las nos bancos.
Bienais – Festas literárias, como vimos, estão sujeitas ao desabamento dos tetos dos galpões, pondo em risco livreiros, autores e visitantes. Bem faz aqui o philosopho, que só vai às festas literárias do Ribeirão dos Mineiros. Semana passada lá estive autografando mais de mil exemplares do meu último livro, dedicatórias todas de tropical exuberância, como disse Carmelo Bonet.
Admitindo-se que o autor gaste um minuto por dedicatória, sempre foram mil minutos ou pouco mais de 16 horas. Todos saíram satisfeitíssimos e acordei novo em folha, porque havia sonhado com a festa depois de ver nos telejornais o espantoso desabamento do teto da Expominas, no Bairro Gameleira, cidade de Belo Horizonte, capital de todos os mineiros.
Ainda bem que não machucou ninguém, mas a explicação foi deliciosa: choveu muito. Aos incréus explico que o Ribeirão dos Mineiros existe, lá estive a cavalo, tem duas dúzias de casas e um campo de futebol. Fica na Zona da Mata perto do município de Descoberto. E tem mais uma coisa: fabrica-se no Ribeirão uma das 411 melhores cachaças de Minas.
Besteirol – Quase tão terrível quanto o crime cometido pela senhora Elize Ramos de Araújo Matsunaga, nascida em Chopinzinho, PR, ao matar e esquartejar seu marido sansei, foi o noticiário radiofônico retransmitido centenas de vezes por dia. Ora, na madrugada de sábado, 9 de junho de 2012, até os opositores do governo da Síria e os talibãs do Afeganistão sabiam que a ex-garota de programa assassinara um dos herdeiros do Grupo Yoki. Muçulmanos, cristãos, judeus, budistas, xintoístas, ateus – o mundo inteiro tinha ouvido o advogado da chopinzinhense dizer textualmente que “o ciúmes foi o motivo do crime”. A partir do momento em que “os ciúme” ou “o ciúmes” entram em cena, até o esquartejamento é mais que motivado.
Ciumoso (regionalismo paranaense) do meu tempo, devo confessar que fiquei furioso com o besteirol radiofônico daquele sábado, triste do meu diploma de bacharel em direito e das despesas com as pilhas do rádio da cozinha. Fazer o quê? Botar tevê na cozinha? Seria pior, porque haveria corpos esquartejados e manchas de sangue em cores na telinha.
O mundo é uma bola – 8 de julho de 1889: primeira edição do Wall Street Journal. Em 1918, o escritor Ernest Hemingway foi ferido no front austro-húngaro durante a Primeira Guerra Mundial. Suas memórias de guerra têm por título “Adeus às Armas”. Muitos anos depois, um philosopho conhecido nosso, quando parou de produzir leite a preços infames, caprichou na crônica “Adeus às Latas”.
Em 1918, o revolucionário Pancho Villa se rende ao governo, passando a receber aposentadoria vitalícia para viver num rancho do interior. Coisa de mexicano. José Doroteo Arango Arámbula teve filhos com oito mulheres, usava sombrero e foi morto numa emboscada em 1923.
Hoje é o Dia do Pacificador, do Padeiro, da Ciência e do Fotógrafo.
Ruminanças – “Acima do jurídico está o político. Faço, mesmo que os juristas me digam que é ilegal. Depois digo para os advogados: ‘Se é ilegal, então legalizem’” (Evo Morales).
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