segunda-feira, julho 30, 2012

O outro Elpídio

Elpídio Navarro
Nazareth Xavier Avellar

Naquele dia, os meios de comunicação da cidade anunciavam: Faleceu o homem de Teatro Elpídio Navarro; Morre Elpídio – um homem de teatro; Faleceu o dramaturgo Elpídio Navarro; Faleceu o Mestre do Teatro; A quinta arte perdeu Elpídio Navarro; O teatro fecha suas cortinas – morre Elpídio Navarro; A Paraíba perde o mestre de Teatro; Morreu o ator e diretor Elpídio Navarro; Elpídio – o dramaturgo; Elpídio Navarro (um completo homem de teatro); O teatro perdeu um paraibano de grandeza; A sua história está perpetuada na memória de todos os amantes das artes cênicas. Enfim, todas as manchetes, todas as notícias e crônicas davam ênfase ao gosto e amor de Elpídio pelo teatro.

Na minha cabeça, no entanto, passava um filminho diferente. Em nenhum momento lembrei Elpídio contracenando comigo nas diversas peças que encenamos juntos. Não passou pela minha memória o encenador que me dirigiu. E quantas vezes isso aconteceu!... Somente agora, lembro que, desde que decidi largar o palco, ele me convocava, sistematicamente, para participar como figurinista, cenógrafa ou para simples leitura de texto dos espetáculos que realizava e dizia: -“Você não me escapa”... E não me deixava distanciar do teatro.

Naquele 17 de julho, durante o dia todo, me veio à memória um outro Elpídio. Não lembrei do homem de teatro. Era o perfeito anfitrião que me ocupava a lembrança. Naquele instante, só conseguia enxergar aquele cara que se sentia extremamente feliz ao receber os amigos. Era o exímio gourmet e o desmedido gourmand que me vinha à mente. Com que satisfação ligava pra Raimundo Nonato dizendo: -“Comprei um surubim maravilhoso. Estou esperando você e Nilda. Já avisei a Naza e ela vai apanhá-los”. Lá chegando, não tardavam as presenças de Valdez Juval, Hugo Caldas, Romeu e Cláudia com seu violão. Algumas vezes, fez questão da presença de Lindaura Pedrosa que, apesar da idade avançada, nunca deixou de ir quando convidada. E fazia churrasco, preparava feijoada,  fazia rabada e inventava receitas de peixe de fazer inveja a muito maitre. E comia com uma avidez de quem saboreia o manjar dos céus... Era mesmo um gourmand! Certa vez nos convidou para uma bacalhoada. Nunca experimentei tempero igual. O cheiro ia longe. Acabado o almoço, perguntou:

-Gostaram do bacalhau?

– Maravilhoso, dissemos em coro.

Às gargalhadas, falou: -Vocês não comeram bacalhau nenhum. Comeram merluza que salguei e botei pra secar.

E o filminho continuava passando... Depois do anfitreão agora, me aparecia Elpídio e suas quatro grandes paixões: o mar, a terra, o vasco e o partidão. Por muitos e muitos anos desaparecia nas tardes de sextas-feiras e só voltava aos domingos. Ficava em Barra de Gramame em meio a pescadores curtindo tudo que o mar lhe oferecia.  É para lá que serão levadas as suas cinzas, cumprindo desejo dele. Além do mar, adorava mexer na terra. Não sei porque não concluiu agronomia, o primeiro curso superior que frequentou. Na casa onde morava na Ponta do Cabo Branco, plantava de tudo. Ali, era possível colher excelentes frutas das quais provei enormes maracujás e laranjas dulcíssimas. No jardim o visitante se extasiava com a beleza das rosas que cultivava. Certa vez me ligou pedindo que fosse até lá. Fui. Era para mostrar um belo exemplar de “Príncipe negro”, uma encantadora rosa que florescia pela primeira vez. Era muito linda, mesmo... Quando me visitava, dizia-se encantado com minhas orquídeas. Finalmente, seus dois outros amores: o vasco e o partidão. Não permitia que se falasse mal de nenhum dos dois. Tá doido, eu nunca disse nem que eram feios.

Pra semana, a seu pedido, vou separar e encaixotar parte do seu acervo para doar ao Arquivo Afonso Pereira. Uma boa parte já deixei lá no começo do ano. Está tudo bem montado numa sala e servirá para pesquisa dos interessados. Ali, Elpídio será imortalizado.

Um comentário:

Mary Caldas disse...

Nazareth

Ninguém melhor que você revelou a grande qualidade do querido Elpídio, a arte de receber.
Quantas vezes deixamos Recife pra trás para nos reunirmos em sua casa num condomínio a beira mar de Cabo Branco. Simplesmente pelo prazer de celebrar a alegria de estarmos todos juntos.
As iguarias que servia eram um capítulo a parte: dos Deuses. Tudo pelo prazer de conversar, rir, festejar. Abraço, Mary