terça-feira, julho 31, 2012

Morrer em vida é fatal

MARTHA MEDEIROS

Nunca esqueci de uma senhora que, ao responder por quanto tempo pretendia trabalhar, respondeu com toda a convicção: “Até os 100 anos”. O repórter, provocador, insistiu: “E depois?”. “Ué, depois vou aproveitar a vida”.

É de se comemorar que as pessoas aparentem ter menos idade do que realmente têm e que mantenham a vitalidade e o bom humor intactos – os dois grandes elixires da juventude. No entanto, cedo ou tarde (cada vez mais tarde, aleluia), envelheceremos todos. Não escondo que isso me amedronta um pouco. Ainda não cheguei perto da terceira idade, mas chegarei, e às vezes me angustio por antecipação com a dor inevitável de um dia ter que contrapor meu eu de dentro com meu eu de fora.

Rugas, tudo bem. Velhice não é isso, conheço gente enrugada que está saindo da faculdade. A velhice tem armadilhas bem mais elaboradas do que vincos em torno dos olhos. Ela pressupõe uma desaceleração gradativa: descer escadas de forma mais cautelosa, ser traída pela memória com mais regularidade, ter o corpo mais flácido, menos frescor nos gestos, os órgãos internos não respondendo com tanta presteza, o fôlego faltando por causa de uma ladeira à toa, ainda que isso nem sempre se cumpra: há muitos homens e mulheres que além de um ótimo aspecto, mantêm uma saúde de pugilista. A comparação com os pugilistas não é de todo absurda: é de briga mesmo que estamos falando. A briga contra o olhar do outro.

Muitos se queixam da pior das invisibilidades: “Não me olham mais com desejo”. Ouvi uma mulher belíssima dizer isso num programa de tevê, e eu pensei: não pode ser por causa da embalagem, que é tão charmosa. Deve estar lhe faltando ousadia, agilidade de pensamento, a mesma gana de viver que tinha aos 30 ou 40. Ela deve estar se boicotando de alguma forma, porque só cuidar da embalagem não adianta, o produto interno é que precisa seguir na validade.

Quem viu o filme Fatal deve lembrar do professor sessentão, vivido por Ben Kingsley, que se apaixona por uma linda e jovem aluna (Penélope Cruz) e passa a ter com ela um envolvimento que lhe serve como tubo de oxigênio e ao mesmo tempo o faz confrontar-se com a própria finitude. No livro que deu origem ao filme (O Animal Agonizante, de Philip Roth), há uma frase que resume essa comovente ansiedade de vida: “Nada se aquieta, por mais que a gente envelheça”.

Essa é a ardileza da passagem do tempo: ela não te sossega por dentro da mesma forma que te desgasta por fora. O corpo decai com mais ligeireza que o espírito, que, ao contrário, costuma rejuvenescer quando a maturidade se estabelece.

Como compensar as perdas inevitáveis que a idade traz? Usando a cabeça: em vez de lutarmos para não envelhecer, devemos lutar para não emburrecer. Seguir trabalhando, viajando, lendo, se relacionando, se interessando e se renovando. Porque se emburrecermos, aí sim, não restará mais nada.

2 comentários:

LalaSouza disse...

Já vi garotos de 17 anos aflitos e apressados em ter conquistas logo, como se conquistar as coisas depois fosse fracasso...

Eu me formei em Arquitetura aos 31 anos e nunca tive vergonha disso. Vergonha teria se me recolhesse a vergonha de tornar meus sonhos realidade num momento "tardio" da minha vida. Demorei, mas consegui e amo profundamente o que faço.

Tbm tenho medo da velhice, mas aceito que ela venha. Assim como aceitei minha infância feliz ir embora, bem como minha juventude que está passando. Desde já vou aceitando meus cabelos brancos e as primeiras rugas do meu rosto, mas pensando sempre que se cuidar é o ideal para (começar a) envelhecer bem.

O ideal mesmo, seja viver muito ou pouco, é viver!

Enquanto há vida, HÁ VIDA!

Beijos, meu sogro!

Girley Brazileiro disse...

Formidável. Tenho um filho que, aos 40, se diz cansado e louco para se aposentar. Digo a ele que esqueça... trabalhe, porque isto não mata. Pelo contrário, revigora e dá longevidade.
Vou fazer feito a velhinha. Trabalhar até os 100 e depois aproveitar, viajando, amando, comendo e dormindo para me recuperar e recomeçar!
Viva a vida!