terça-feira, abril 10, 2012

O DESENVOLVIMENTO SOCIAL DO BRASIL





Clemente Rosas




Em dezembro do ano passado, compareci ao lançamento, em Recife, de dois livros do Professor Roberto Cavalcanti de Albuquerque que merecem ser comentados. Nos dias atuais, de informação abundante e pouca reflexão, é sempre oportuno alguém chamar a atenção dos ainda pensantes para o que vale a pena ser conhecido e analisado.

Não vou falar sobre “Nabuco e Outros Tempos”, de textos mais amenos, que revelam ensaísta elegante e profícuo, a transitar com segurança pelos campos da História, das artes, da política, da economia, da vida social, da literatura. Quero me referir a “O Desenvolvimento Social do Brasil”, livro de leitura menos cômoda, por sua abordagem quantitativa e recurso frequente a índices e tabelas. Este é que, além de nos proporcionar um “choque de realidade”, demolindo mitos ufanistas e pessimismos enviesados, inspira algumas considerações sobre a superficialidade dos nossos homens públicos e a responsabilidade dos intelectuais. Para fazê-las, recorro a uma breve reminiscência.

Conheci Roberto Cavalcanti de Albuquerque quando, retornado de sua pós-graduação nos Estados Unidos, iniciou, junto com Clóvis Cavalcanti, o Mestrado em Economia da Universidade Federal de Pernambuco. Naquele tempo, demitido da SUDENE pelo governo de exceção de 1964, e ainda respondendo a três inquéritos policiais-militares, eu me abrigava na Fundação para o Desenvolvimento Industrial do Nordeste – FUNDINOR, e pensava numa “reciclagem” que me abrisse outras portas. Vinha de uma formação marxista e “cepalina”, e não tinha nenhuma simpatia pela escola econômica americana, de Milton Friedman e seus “Chicago boys”. Mas era o que, aparentemente, se me apresentava, e resolvi tentar.

Procurei me inscrever no curso e, escaldado pelos bloqueios que já tinha sofrido, em razão da minha ficha de esquerdista, comecei perguntando se havia algum tipo de “clearance” para isso. “Ideológico, nenhum”, respondeu-me Roberto, logo percebendo o sentido da pergunta. Fiz um pequeno teste, entrei no curso, e antes de concluí-lo já era convidado para ensinar na Faculdade de Economia da Universidade Católica de Pernambuco, a princípio como substituto eventual do hoje senador Cristovam Buarque, depois como sucessor de Dirceu Pessoa, técnico da SUDENE tragicamente desaparecido no acidente com o avião do Ministro Marcos Freire, de triste memória. E não fui aos Estados Unidos, para onde me queriam mandar para um doutorado, porque o Governo Militar já me havia negado passaporte, em tentativa anterior, ainda na FUNDINOR.

Naquela época, eu tinha dificuldade em conceber um professor de economia sem matiz ideológico, um puro “homem da ciência”, pesquisador e analista sem “parti pris”. E era justamente o que, de Roberto, me dizia o RoldãoTorres, colega de trabalho que era seu aluno, e se tornou engenheiro e economista, chegando a Secretário de Estado. Tantos anos depois, com a leitura de “O Desenvolvimento Social do Brasil”, vejo como Roldão estava certo.

O livro analisa o desenvolvimento social do Brasil no período 1900-2010, tomando por base não apenas a renda per capita e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), mas também novos indicadores, mais sofisticados e abrangentes: o IDS (Índice de Desenvolvimento Social) e o IIS (Índice de Inclusão Social), ambos concebidos pelo INAE (Instituto Nacional de Altos Estudos), coordenado por Roberto e pelo ex-ministro Reis Veloso. E por aí ficamos sabendo como evoluímos significativamente, ao longo de governos os mais diversos e de conjunturas internacionais cambiantes. E como, sobretudo, melhoramos nas últimas décadas – inclusive na “década perdida” de 80 – na questão das desigualdades interpessoais e inter-regionais de renda.

A constatação desautoriza afirmações demagógicas de circunstanciais detentores do poder, em qualquer época, sobre “milagres” ou “rupturas” transformadoras da realidade. Há critérios mais límpidos – morais e administrativos – para julgá-los. Reconheçamos apenas que foi feito bastante, embora muito ainda esteja por fazer. E que só faremos o que falta – esta é a lição final do livro – se a melhoria consistente e contínua dos indicadores citados for tomada como prioridade estratégica nacional, e não mera variável a ser ajustada a objetivos mais mesquinhos.

Clemente Rosas é consultor de empresas


Nenhum comentário: