
Eduardo Almeida Reis
Ninguém chega a desembargador de um Tribunal de Justiça como o de São Paulo se não tiver estudos. Ainda quando a inteligência de alguns seja discutível, e a honestidade de uns poucos (remember Lalau) inexista, não dá para entender certas declarações de um dos magistrados, como aquele que verberou a polícia, a prefeitura e o governo de São Paulo pelas providências que tentam tomar para reduzir os problemas da cracolândia paulistana.
Ouvido pelas emissoras de rádio, o desembargador saiu-se com a liberdade de ir e vir, a liberdade de ficar e outras coisas muito bonitas para pessoas comuns, como o leitor e o seu philosopho. Contudo, um dependente de crack não pode ser visto como pessoa comum, porque não é. Como também não é justo que os paulistanos comuns, que trabalham e pagam impostos, sejam obrigados a dividir alguns trechos de sua cidade com os drogados.
Que liberdade de estar, de ficar, é esta, em que os doentes se drogam dia e noite, transam diante de todos, engravidam e parem (verbo parir) pelas calçadas, quando não estão assaltando para comprar mais droga? E o problema das drogas começa pelo nome: é produto alucinógeno, sem que seja uma droga na acepção de má qualidade ou gosto ruim.
Saudoso amigo meu, homem viajado, inteligente e culto, precisou resgatar um parente que andava siderado por um guru baiano. O guru sugeriu: “Antes de qualquer providência, procure ver o que o seu parente está sentindo”. E veio lá com uma seringa descartável, nova, que abasteceu de heroína.
Meu amigo deixou-se espetar no braço e me contou que, se existe a sensação de entrar no paraíso, não pode ser diferente da heroína injetável. Parou na segunda injeção, depois de ordenar: “Outra aí, seu guru!”, e vivia falando da sensação incomparável da diacetilmorfina.
Presumo que os dependentes do crack, guardadas as proporções, sintam algo semelhante. E se viciam, porque o produto é barato. Ando lendo um livro do Bryson, que tem passagem interessante a propósito de drogas. Vejamos: “O avô de Franklin Delano Roosevelt, Warren Delano, fez a maior parte de sua fortuna negociando ópio, fato que a família Roosevelt não divulga com grande orgulho”.
Freud, que tudo explicava, talvez tivesse justificativa para o tempo em que receitava cocaína como quem receita aspirina ou elixir de inhame Goulart. No livro “Freud e a Cocaína”, com notas de Anna Freud, edição organizada pelo Dr. Robert Bick, que li há muitos anos, aprendi que o primeiro artigo de Sigmund Freud, médico residente no Hospital Geral de Viena, publicado na revista Therapie em julho de 1884, tinha o título ÜBER COCA.
No final do século XIX, o alcaloide era novidade na Europa e ninguém sabia dos males que pode causar, muito menos dos terríveis efeitos do seu subproduto crack, barato, droga de alta concentração e toxidade. Sem falar de um tal de óxi, mais barato e de composição ainda mais tosca que a do crack, que mata mais depressa.
Felizmente, sou virgem de experiências do gênero, o que atribuo à sorte de ter convivido, desde sempre, com cachaceiros em choperias. E só uma coisa é certa: não dá para engolir a opinião do desembargador paulista.
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