José Augusto Carvalho
O novo desacordo ortográfico, deixou-nos reféns dos dicionários e do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), não apenas por causa do hífen, mas também por causa dos dicionaristas, nem sempre preparados para a função que exercem. Acredito mesmo que, à exceção do falecido Antônio Geraldo da Cunha, que colaborou com o Dicionário Houaiss, nenhum colaborador ou autor de dicionário de língua tenha ou ponha em prática noções básicas de lexicografia.
O emprego do hífen não tem lógica e oferece dificuldades de normalização. Nos pares abaixo, a primeira palavra é hifenizada; e a segunda, de formação idêntica, não: planta-mãe/planta matriz; célula-tronco/sequestro relâmpago; pé-de-meia/pé de moleque; afro-brasileiro;/afrodescendente; norma-padrão/desvio padrão; bom-senso/bom gosto; pronto-socorro/pronto atendimento; histórico-cultural/infantojuvenil; passa-tudo/passatempo; perde-ganha/ vaivém; ano-novo/ano velho, etc.
O Aurélio ensina que o verbo explodir não se conjuga integralmente por lhe faltar a 1ª pessoa do singular do pres. do indicativo e, portanto, todo o pres. do subjuntivo. No entanto, no próprio verbete explodir, onde consta essa informação, o verbo aparece conjugado em todos os tempos e pessoas. O Houaiss conjuga integralmente o verbo adequar: eu adéquo, tu adéquas... No entanto, gramáticos como Domingos Paschoal Cegalla (Dicionário de dificuldade s da língua portuguesa. Rio: Nova Fronteira, 1996, s.v.) ensinam que: “Não existem as formas adéqua, adéquam, com e tônico”.
Na minha gramática, denuncio arbitrariedades do Volp. Todas as gramáticas ensinam que azul-celeste e azul-marinho, por exemplo, são adjetivos invariáveis. O Volp inova: azuis-celestes, azuis-marinhos. As gramáticas ensinam que o nome formado por adjetivo com nome de cor mais substantivo comum é invariável: verde-mar, vermelho-brasa. O Volp inova: verdes-garrafas, verdes-mares. Que critérios seus autores adotam para ir de encontro às lições tradicionais?
Em julho de 2010, ao explicar Gálico, como a “Palavra do Dia”, o Caldas Aulete colocou como sinônimos os adjetivos pátrio e gentílico. Mandei um e-mail para a Lexikon Editora Digital, citando a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, editada pela Nova Fronteira em 1985, mesma editora do Calda Aulete: “Entre os adjetivos derivados de substantivos cumpre salientar os que se referem a continentes, países, regiões, províncias, estados, cidades, vilas e povoados, bem como aqueles que se aplicam a raças e povos. Os primeiros chamam-se PÁTRIOS; os segundos GENTÍLICOS, denominações estas que foram omitidas na Nomenclatura Gramatical Brasileira e na Nomenclatura Gramatical Portuguesa, mas que nos parecem necessárias” (Versais e grifos dos autores). E expliquei: Assim, semita é gentílico que compreende diversos pátrios (hebreus, assírios, aramaicos, fenícios e árabes); mesopotâmico é gentílico que compreende assírios, caldeus, sumérios e babilônicos; mas pátrio diz respeito à região: brasileiro, português e francês são pátrios.
A resposta, assinada por Luiz Roberto Jannarelli, é um atestado de submissão ao erro: ele reconhece a lição de Celso Cunha e Lindley Cintra, mas prefere seguir o que dizem os principais dicionários de língua: o Houaiss e o Aurélio. Mesmo reconhecendo o erro, insiste em mantê-lo.
O Houaiss, no verbete “macho”, contraria as gramáticas ao explicar seu emprego da seguinte maneira: “a) como adj., aceita as flexões habituais da língua: javali macho, jacaré macho: toutinegra macha, formiga macha; b) por ser masculino na significação, o feminino (macha) do adj. é menos us. do que o substantivo macho, para formar femininos compostos; tal emprego exige, porém, o uso de hífen, por passar a tratar-se de palavra composta por dois substantivos: toutinegra-macho, formiga-macho; esse subst., colocado após outro subst. denominador de um ser sexuado, é um determinante específico invariável em gênero, mas não em número, e indica que o ser é do sexo masculino (a cobra-macho, as aranhas-machos) ou um ser viril (um cabra-macho) ou um ser masculinizado (mulher-macho);” Isto é: tanto faz dizer “toutinegra macha” quanto “toutinegra-macho”, variando apenas o uso do hífen. Assim, em “toutinegra macha”, “macha” é adjetivo; em “toutinegra-macho”, “macho” forma com “toutinegra” um substantivo composto. Quer dizer: o hífen é que vai indicar se “macho” é adj. ou parte de subst. composto! As gramáticas, contudo, ensinam que “macho” e “fêmea” são sempre invariáveis em gênero quando se trata de nomes epicenos. Ademais, “macho” e “fêmea”, quando não formam substantivos compostos, não podem ser considerados adjetivos, mas apostos especificativos. Nesse caso, “mulher macho” se escreveria sem hífen. O Aurélio dá lição pior: no verbete “macho” exemplifica “cobra macha”, como se “macha” fosse adjetivo e não como se fosse o segundo elemento invariável em gênero na formação da palavra composta. A mesma lição espúria se encontra no verbete “epiceno”. Felizmente, o Houaiss não comungou dessa lição nesse verbete.
Só me resta rezar para que os portugueses, dando prova de inteligência e discernimento, continuem lutando para que esse acordo ortográfico seja rejeitado por Portugal.
Publicado em 28 jan. 2012 no suplemento Pensar, do jornal A Gazeta, de Vitória (ES).
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