
Ipojuca Pontes
Havia no Rio de Janeiro da era JK um humorista de muito talento chamado D. Rossé Cavaca. Ele vivia em cima de uma lambreta, trafegando entre várias redações e revistas, atrás de uns trocados para sobreviver na sua luta diária de classe media baixa. Mas, pelos jornais, num contraponto maldito, Dom Rossé só tomava conhecimento dos gastos perdulários da construção de Brasília, passando pelos escândalos ministeriais e as propinas pagas pelos empreiteiros para obter dos políticos contratos de obras faraônicas, além das viagens dos burocratas com ajuda de custo em dólares e dos empregos milionários oferecidos aos filhos dos malandros de plantão. O humorista sofria.
Num dia de verão, sol a pino, desesperado com a própria situação e o bombardeio do noticiário permissivo, Dom Rossé saltou de sua lambreta na esquina da Avenida Rio Branco com a Presidente Vargas, voltou-se para a igreja da Candelária, levou as mãos aos céus e bradou: “Meu Deus, que corrupção é esta que a gente morre e nunca alcança!...”

Bons tempos! Hoje a situação mudou muito e pode-se dizer que todos, ou quase todos, de alguma forma, em maior ou menor escala, são ou estão envolvidos pelo manto gotejante da corrupção. Vejamos, por exemplo, o caso da presidente Dilma Roussef, do PT, partido de esquerda que veio à cena pátria para instalar “a ética na política”. Sob seu governo, em pouco mais de um ano, caíram nove ministros, sete dos quais envolvidos em denúncias de “irregularidades” e “malfeitos” – sinônimos de corrupção braba, suborno, peculato, nepotismo e desvio de dinheiro público.
Eis um resumo da sinistrose: em junho de 2011 cai o chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, pressionado por explicações pouco convincentes de como multiplicou por vinte, em breve período, o seu patrimônio pessoal; logo depois cai o ministro da Agricultura, acusado de manter no ministério um escritório clandestino para fechar negócios escusos; em seguida, após denúncias de que o patrimônio do filho teria crescido 86.500%, tomba o ministro dos Transportes; mais tarde, um quarto ministro, o do Trabalho, dizendo-se tocado de amor eterno pela presidente, deixa o cargo sob a acusação de cobrar propinas envolvendo ONGs que mamam grosso nas tetas da viúva; por sua vez, em data mais recente, o ministro dos Esportes, do PC do B, deixa o cargo acusado de permitir a exploração de propinoduto para o caixa dois do seu partido em cima de R$ 40 milhões de programa social; o sexto ministro, Pedro Novais, do Turismo, perdeu a pasta “pelo conjunto da obra”, com destaque para pedido de ressarcimento ao erário de gastos com despesas de motel; finalmente, pelo menos por enquanto, temos a queda de Mário Negromonte, do ministério das Cidades, baiano que pediu demissão depois que um chefe de gabinete, com seu aval, foi acusado de adulterar documento de obra para implantação de veiculo leve sobre trilhos, em Cuiabá, no valor de R$ 1,2 bilhão.
(Detalhe: o substituto de Negromonte, Aguinaldo Ribeiro, ao assumir o ministério das Cidades, foi acusado de cometer improbidade administrativa quando exercia o cargo de secretário de Agricultura do Estado da Paraíba – acusação que repudiou, com veemência, por se tratar de “assunto já vencido”).
Mas, sejamos sinceros: a rigor, a corrupção não reina apenas no primeiro escalão do Executivo. Ela se alastra como praga ruim nos três poderes, onde funcionários graduados, assessores especiais, bagrões comissionados, bagrinhos, desembargadores, juízes, parlamentares, etc., vivem atolados nesta pandemia que destrói os alicerces morais (e psicossociais) da nação, visto que hoje já não se põe mais em dúvida que a corrupção instituiu-se no país como ferramenta do poder, transformada em moeda obrigatória nas relações de troca entre governo, partidos políticos e – vá lá - a “sociedade organizada como um todo”. De fato, o sistema em andamento banalizou de tal modo a corrupção que a simples idéia de se ver um ministro malfeitor por trás das grades, leva a patuléia ignara ao frenesi.
O velho Marquês de Maricá (1773-1848), que também foi ministro da Fazenda e conselheiro do Império, costumava dizer, em tom ácido, que “um povo corrompido não pode tolerar governo que não seja corrupto”. Há quem garanta que o Marquês não se referia ao povo brasileiro. Até porque o nosso povinho miúdo parece ignorar que ele próprio, trabalhando incansavelmente e pagando tributos, é quem mantém solerte a pandemia corrosiva.
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