sábado, fevereiro 11, 2012

Carnaval e catarse




Raul Córdula



Carnaval e arte vivem juntos desde sempre. Veja-se Veneza, Rio de Janeiro, Salvador e, principalmente, Recife-Olinda. Música e dança palavra e olhar, principalmente o olhar. O carnaval é uma festa (para mim é muito mais que uma festa) do olhar, do prazer do olhar, a festa do voyeur que todos às vezes somos.

A decoração das ruas é prática antiga de qualquer cidade que fomenta o carnaval, mas ultimamente no Recife se acrescenta a isto a qualidade dos nossos artistas plásticos consagrados, como foi com Lula Cardoso Ayres, Tereza Costa Rêgo, e agora José Cláudio. Nasce em nós a esperança de que isto não acabe, e muitos artistas amados pelo povo como eles continuem sendo homenageados dessa forma. Para completar tem a tarimba do arquiteto Carlos Augusto Lira e sua equipe – Eduardo Lira, Lucídio Leão e Isabela Faria – garantindo esta perspectiva de beleza e expressão.

Dia desses um amigo da Paraíba me escreveu sobre sua vontade de “brincar o carnaval” em Olinda. Adverti-o: carnaval não é brincadeira, especialmente em Olinda. A obra de José Cláudio é, em vários momentos, o próprio carnaval, e ele também não é de brincadeira. Chamo a atenção para o fato de, mesmo pintando em telas o carnaval – as figuras instaladas nas ruas do Recife são desenhos avulsos ou detalhes de várias telas –, sua pintura é grave e profunda, não se vê nela a ingênua alegria comum aos adornos e adereços que têm a função de animar o povo com seus vulgares brilhos e dourados, não, o que se vê é a mascara do povo descerrada, e isto não é tão alegre assim, é até, às vezes, triste.

Então, com isto o carnaval assume uma de suas mais importantes funções, a exacerbação dos sentimentos. No caso, dos sentimentos coletivos. José Cláudio sabe como ninguém mexer com essa matéria, sua arte é catártica. Por exemplo, a passista mostrando a calcinha não chega a ser sensual, ela é a própria catarse, cascavilha lembranças e segredos do inconsciente coletivo. A passista, como todas essas figuras que estamos vendo perfiladas nas balaustradas das pontes do Recife como totens a um suposto deus da alegria, estes ursos, bailarinas, brin-cantes e passarinhos pintados do jeito que José Cláudio pinta, da sua forma, estilo e expressão inconfundíveis, estão aí para libertar tensões e emoções coletivas.

Esta é uma das mais belas fantasias que o Recife já vestiu, bela e generosa, pois ao servir de palco para a folia serve também para a contemplação, a reflexão e o encantamento.

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