terça-feira, janeiro 03, 2012

Violência no Nordeste





Ipojuca Pontes





Quem nunca ouviu falar na conversa de que nos últimos três anos morreu mais gente por homicídio no Brasil do que em toda recente Guerra do Iraque e em mais de meio século de conflito sangrento entre Israel e Palestina? Pelo que andei fuçando ninguém deixou de ouvir essa cantilena, nem mesmo a velha toupeira, o mamífero insetívoro que vive enfiando a cara na terra procurando miná-la. Só para dar número aos bois: neste período, ocorreram 152 mil mortes violentas no Brasil, contra 110 mil vítimas em toda Guerra do Iraque e 125 mil civis assassinados em meio século de luta entre judeus e palestinos.

É isso aí, bicho - como ainda se diz nas rodas vulgares. Entre os estados da federação em que a violência deita e rola, estão incluídos, com destaque, Alagoas, Pernambuco, Bahia, Paraíba, Sergipe, Ceará e Grande do Norte, ou seja, quase o Nordeste em peso. Alagoas é o estado onde mais se mata no Brasil, com taxa de 66, 8 por cada 100 mil habitantes. E a outrora pacífica João Pessoa, considerada a cidade das acácias, perfila em 2º lugar no ranking das capitais mais violentas do pedaço.

A violência, ao que se sabe, encontra sempre uma justificativa. Um cientista italiano do século XIX, Cesare Lombroso, julgava-se capaz de determinar o grau de periculosidade de um sujeito pela forma do crânio: o tipo dolicocéfalo, por exemplo, estaria a um passo da delinqüência desenfreada. Modernamente, os cientistas sociais da USP insistem em associar nossas altas taxas de violência à miséria, às desigualdades sociais e disparidade de renda. Outros acham justamente o contrário: a expansão da criminalidade no Nordeste está vinculada ao crescimento da riqueza regional. A fórmula fatal seria a seguinte: emprego, mais dinheiro, mais consumo igual a corrupção, desvirtuamento e incompetência do aparelho de segurança do Estado, ou seja, maior índice de criminalidade.

Pior ainda: haveria, por trás de tudo, a prática da manipulação dos dados estatísticos oficiais. Em depoimento recente, especialista de uma instituição de pesquisa descobriu que a aparente diminuição dos índices de criminalidade do Rio de Janeiro, justificada pela campanha do desarmamento, deveria ser interpretada apenas como um caso de erro de método, interpretação e procedência: os números divulgados pelos órgãos de segurança estavam em franco desacordo com os índices de mortalidade registrados pelos institutos médicos legais – estes, em números bem mais elevados.

Por sua vez, alguns observadores da questão da violência no Nordeste justificam sua presente ascensão pela expansão do tráfico da droga na região: com o deslocamento da rota de exportação da cocaína da Europa para a África Ocidental, a violência do tráfico se transferiu do Rio e São Paulo para os estados nordestinos, mais próximos das costas da Guiné-Bissau, novo quartel-general e pólo internacional da droga.

Seja como for, com ou sem justificativa, desde antes da colonização o Nordeste tem tradição em matéria de violência: índios antropófagos, Nascimento Grande, Lampião, Antonio Silvino, Tenente Serpa, jagunços, cangaceiros, pistoleiros de aluguel, Canudos, Caldeirão, Pedra Bonita, Quebra-Quilos não foram propriamente anjos de ternura ou se celebrizaram como movimentos de pura benemerência social.

De minha parte penso que a atual exacerbação da violência brasileira se rastreia na vigência do poder e é conseqüência natural do vertiginoso processo de desmoralização das instituições políticas e religiosas. Numa sociedade em que todos os seus membros, sem exceção, são ardilosamente corrompidos por empulhações concebidas nos desvãos dos laboratórios ideológicos, com vistas ao estabelecimento de “uma nova escala de valores e ordenamento social”, nada mais previsível de que a violência se imponha como “autoridade onipresente de um imperativo categórico” irreversível, para usar uma expressão grata ao corcunda Antonio Gramsci.

De fato, diante de um país em que os poderes legislativos, judiciários e executivos se alastram em práticas que transgridem a cada instante os mínimos valores éticos, e a elite se desintegra em golpes de simulação, como iria o homem comum - subordinado a todo tipo de pressão e influência, desamparado de Deus e desiludido com o mundo que o cerca – deixar de apelar para o crime como Ato e Potência?

Se o leitor quer saber, considero um milagre a criminalidade no Brasil – e no Nordeste - ainda não ter atingido índices mais catastróficos.

PS - Prometo voltar ao assunto com dados mais efetivos.

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