domingo, dezembro 11, 2011

Um Acidente Aéreo em Tambauzinho




Hugo Caldas



Jamais esqueci a tragédia. Passados mais de 50 anos, o infeliz acontecimento ressurge por vezes, como num pesadelo. Há tempos tento colocar no papel a cena dantesca. Acho que finalmente chegou a hora.

No início dos anos 50 o Bairro de Expedicionários não existia. Tudo aquilo em frente ao Grupamento de Engenharia se chamava Tambauzinho, onde ficavam o campo de aviação
e as instalações do Aeroclube da Paraíba.

Uma certa tarde quente de verão estávamos eu, e os companheiros de sempre, Almir e o Mago, no topo da nossa pitombeira preferida ouvindo os nossos rádios galena e chupando pitombas quando aconteceu algo que iria deixar marcas em nossas almas para sempre. Um Teco-Teco amarelo vinha descendo e como sempre passou baixinho. Acenos de ambos os lados. Logo em seguida um estrondo. Uma coluna de fumaça preta e muito fogo.

- "O avião caiu”, disse o Mago.

Descemos da árvore atabalhoadamente e disparamos a conferir de perto o acontecido. A casa do Mago ficava a algumas quadras do campo do aeroclube.

Na realidade foi um choque entre aviões. Um Fairchild PT-19, de treinamento da FAB, e o Teco-teco Piper Cub amarelo, que havia minutos antes passado sobre nossas cabeças. No local encontramos o amigo Calico, também morador das redondezas, bastante assustado, bem mais branco do que ele realmente é.

O horror, a tragédia.

Chegamos no exato momento em que o piloto do Fairchild tentava sair, envolto em chamas, não conseguindo e desfalecido, em questão de segundos, findou-se dentro da cabine. Ao cair, bate com a cabeça no pára-brisa quebrado e fere gravemente o rosto. Jorrou muito sangue. O fogo impedia qualquer tentativa de salvá-lo. Não houve explosão, no entanto como o Teco-Teco era recoberto de lona, de imediato o pequeno avião virou uma bola de fogo carbonizando o corpo do piloto que nos acenara minutos antes. Uma rajada de balas vinda não se sabe de onde fez com que todos se deitassem no chão vermelho de terra batida. Havia umas quantas armas a bordo.

Entendendo a cena trágica.

Uma depressão no terreno logo na cabeceira da pista, talvez tenha causado o sinistro. É sabido que a força de atração da Terra, faz com que os aviões ao sobrevoarem uma baixa de terreno, percam um pouco da sua estabilidade para recuperá-la logo em seguida. O piloto da FAB provavelmente querendo fazer uma gracinha tentou pousar na frente do paisano que finalizava a sua aterrissagem, causou a fatalidade. Ao cruzar a depressão do terreno e sendo o PT-19 mais pesado que o Piper, colou em cima do pequeno aparelho, caindo ambos.

Jamais esqueci a cena. Passados todos esses anos, não sei como explicar, mas, o infeliz acontecimento ressurge por vezes, como num sonho dantesco, o que muito me perturba. Há tempos tento colocar no papel e acho que finalmente chegou a hora.

Por curiosidade tentei descobrir os nomes dos dois ocupantes mortos naquela tarde. Entrei em contato com o Aeroclube da Paraíba na pessoa de Rômulo Carvalho, atual presidente, que muito gentilmente me ofertou o livro: "Aeroclube da Paraíba - Uma História de Vida", escrito pelo ex-presidente Lúcio Marcos da Costa. Corri a folhear o livro a ver o que constava nos arquivos da entidade. Nada, absolutamente nada, foi encontrado. O livro, apesar de bem escrito contém lacunas. Registra por exemplo a fundação oficial do Aeroclube em 17 de novembro de 1940 para logo em seguida nos transportar para os idos de 1953, provável ano do acidente aqui relatado. Porém sem nenhum registro. Estranho.

Não há menção, por exemplo, a pessoas e fatos conhecidos, especialmente para mim que vivia o dia-a-dia do campo, "Aqui não se fuma" dizia uma placa enorme dentro do hangar. Pilotos como "BH", abreviatura para Benedito Henrique, Valentim ao que me consta se acidentou caindo com sua aeronave em um pequeno riacho. Meu pai, Américo Caldas que foi da primeira turma de pilotos do ACPB e um sujeito maluco, goleiro da Seleção Paraibana de Futebol, excepcional piloto conhecido como Pajé (apelido?) que também morreu em trágico acidente na cidade de Santa Rita, PB. Tenho fotos dos destroços deste acidente onde morreram além de Pajé (se não me engano da família Rangel) o mecânico conhecido como Zé.

Conversando um domingo desses com o Mago Gilvan, pelo telefone, contei da minha frustração pela falta de informações, apesar do esforço. Disse-me o Mago:

"Deixa comigo. Vou soltar os cachorros no mato e depois te telefono”.

Em questão de horas estava o amigo Gilvan de volta com o resultado: De acordo com suas pesquisas o acidentado e morto com o Piper chamava-se Nabuco de Assis. Era amigo do meu pai.

De posse desses dados fui à luta. Seguem-se algumas informações colhidas nas buscas incansáveis na Web.

Nabuco de Assis, era um político e fazendeiro. Foi também o pioneiro da aviação em Areia, PB. Sabe-se que adquiriu um aparelho Teco-Teco, prefixo PP-TOU no Aeroclube da Paraíba. Em seguida levou o avião para ser restaurado por ele e seu irmão Nilo de Assis, nas oficinas da Usina Santa Maria. Construiu um campo de pouso no distrito de Mata Limpa na propriedade do seu sogro. Tinha fama de valente e arbitrário, razão pela qual andava sempre muito bem armado, dai os tiros partidos da cabine do seu avião acidentado.

Descobri por fim, que Nabuco de Assis virou nome de avenida no hoje Bairro de Expedicionários, bem nas imediações do local do acidente. Merecidamente.

Quanto ao PT-19 da FAB até agora não consegui absolutamente nada sobre o avião ou o piloto. Enigmático. Afinal de contas perdeu-se no acidente não só uma vida, mas um equipamento de uso da Força Aérea. Um Próprio Nacional. Ficaria grato se a Aeronáutica se pronunciasse.

4 comentários:

W.J. Solha disse...

Hugo, seu relato autobiográfico me lembrou algo parecido de minha infância, em Sorocaba, São Paulo, marcada pelas tardes de domingo com o monótono ronco de biplanos, que chamávamos de aviões de suas asas ( duazazas). Num 26 de outubro, dia da aviação, fui ao "Campo de Aviação" com meu pai, ver as acrobacias típicas da data. Um daqueles aparelhos empinou no voo para bem alto, desligou o motor e, em parafuso, partiu para a descida na verticalk, para a previsível retomada do ronco já perto do chão. Mas nós vimos foi o teco-teco mergulhando num poeirão e soubemos, em seguida, que o piloto morrera. Ao anoitecer, nosso rádio Pilot sintonizado na PRD 7 Rádio Club de Sorocaba, vi meu pai, cabisbaixo, ouvindo o programa em homenagem ao morto, uma canção de um sorocabano - não me lembro quem - cantando

Perdi meu grande amor....

O curioso é que, como você disse no seu caso, também aquilo me marcou para sempre. Solha

Berenice Carneiro da Cunha disse...

Amigo,
Seus blogs são de grande conhecimento,se aprende realmente.
Um feliz Natal para vc e toda sua família.
Um grande abraço,Berenice.

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Hugo,

Comovente seu texto. Que momento triste para tantas criaturas.Abraços. Márcia

Celso Almir disse...

Amigo Hugo:
Falha nossa. Não tinha lido, lí agora.
Está muito bom o texto, o trabalho de pesquisa é digno de um bom repórter investigativo.
É impressionante como aquelas cenas ainda estão na minha memória. Muita coisa daquela época já esqueci. Mas aquele desastre continua vivo.

Abração,
Almir