
Lula Vieira
Lembranças da infância
No Rio de Janeiro existe um restaurante chamado Fiorentina, onde todas as noites se reuniam os artistas de cinema, televisão e teatro. Dá para imaginar as histórias que aconteciam ou que eram contadas em suas mesas. E atraídos pelos nomes famosos, o Fiorentina recebia também as mais belas mulheres do Rio, vedetes do teatro rebolado, figurantes de chanchadas carnavalescas e algumas das melhores e mais conhecidas cortesãs da cidade.
Cortesãs sim, não putas nem modelos-manequins. Gente da maior finura, incapaz de dar baixaria em camarote de cervejaria. Além das figuras habituais, o Fiorentina recebia também grandes celebridades do mundo inteiro, embora fosse tradição da casa não se empolgar muito com gente famosa alienígena.
Dizia-se até que Charlie Chaplin ou Orson Welles, se aparecessem mais de duas vezes no Fiorentina, seriam devidamente esnobados na base do "disfarça que está chegando aquele chato". O Rio já foi assim. Agora, faz rapapé até para ex-BBB, triste sinal dos tempos. Mas, continuando.
Daniel Filho conta que uma vez estava em uma mesa com Edu da Gaita, Aurimar Rocha e Paulo Pontes, cada um relembrando histórias da infância. Aliás, a vida dele está no livro "Antes Que Me Esqueçam", um belo registro de uma fase importante da televisão brasileira. Voltemos ao Fiorentina e à mesa do Daniel.
Os trabalhos foram devidamente abertos com o próprio (Daniel) contando que uma vez sua bisavó foi convidada para montar um dos cavalos de D. Pedro II, na Hípica Imperial, e que, enquanto a senhora evoluía pela pista, o Imperador gentilmente carregava o filho dela, futuro avô do narrador.
O melhor de tudo é que o garoto a certa altura fez um alegre xixi na roupa de D. Pedro II, que teve que mandar pedir no palácio outra calça de montaria. Ou seja: o avô de Daniel, com seis meses de idade já se revelava um republicano convicto, capaz de colocar o Imperador numa situação delicada.
O Paulo Pontes, com a cara amarrada de nordestino bravo, vestindo umas sandálias de couro parecendo figurante de filme de cangaceiro, ouvia com expressão de infinita tristeza. Daí o Edu da Gaita contou que tinha feito uma música sobre um poema de Pablo Neruda e que quando tocou para o Portinari, Candinho ficou tão encantado que fez um imediatamente um quadro inspirado na composição. E que o Neruda, mais tarde, conhecendo a música e a história, assinou com Pilot sobre o quadro, agradecendo a lembrança dos dois. Ou seja: Edu tinha em casa um quadro de Portinari com autógrafo do Pablo Neruda. Paulo Pontes ouvia calado.
Daí Aurimar Rocha contou que quando era menino morava na rua Paissandu, caminho habitual de Getúlio Vargas indo para o Palácio do Catete. Aurimar garantiu que toda vez que o presidente passava, ele ficava em posição de sentido, batendo continência. E Getúlio, retribuía a saudação, também solene. E que, em seguida, o garoto e o ditador trocavam umas idéias. E Paulo Pontes cada vez mais acabrunhado.
Quando chegou a vez dele contar sua história, não pareceu encontrar nada de empolgante. Ficaram todos esperando ele cavoucar na memória alguma coisa à altura de um Imperador molhado, um quadro de Portinari autografado pelo Neruda ou do garoto amigo do Pai dos Pobres. Depois de muito tempo pensando, Paulo pediu mais uma birita, olhou o mar, pigarreou, acendeu um cigarro e começou: "Eu tenho um primo, lá na Paraíba, que comeu o cu de Lampião..."
do BLOGSTRAQUIS de Moacir Japiassu
Um comentário:
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