segunda-feira, outubro 03, 2011

A Sé como espaço da arte



Raul Córdula



Durante o esplendoroso recital de Philip Glass e Tim Fain na Sé de Olinda produzido pelo MIMO, minha memória viajou no tempo e me levou a 1977, quando a Sé estava sendo restaurada pela Fundarpe da época, cujas funções não iam muito além da restauração o patrimônio de pedra e cal e da gerência daqueles espaços reconquistados, utilizando-os para a mostragem da arte. A equipe de restauração era liderada por José Luis Mota Menezes e Fernando Borba, e em pouco tempo Fundação já restaurara a Casa de Detenção, transformando-a na Casa da Cultura, o Palácio dos Bispos, que se tornou o Museu de Arte Sacra, e a Sé, este maravilhoso edifício colonial que ostentava antes uma verdadeira carapaça de gesso que formava como que o “glacê” de um bolo de noiva.

Não tínhamos o que hoje não falta, espaço para as artes visuais, então não foi estranho o nosso deslumbramento ao ver o Museu de Arte Sacra inaugurado com a colação do Tesouro da Cúria Metropolitana acompanhada de duas outras mostras de arte religiosa de primeira linha, como foram a mostra de arte popular religiosa reunida por Borba e Zé Luiz e a coleção de arte religiosa de Candomblé do Centro de Estudos Afro Orientais da Bahia. Lembro que este ecumenismo todo aconteceu em plena ditadura militar graças à abertura religiosa que foi marca do bispado de Olinda e Recife nos saudosos tempos de Dom Elder.

Antes mesmo do término dos trabalhos de restauração da Sé, a Fundarpe ocupou seu espaço com duas exposições das quais participei como assistente e montador, pois era contratado da Fundação. A primeira foi a de Lasar Segall intitulada “A Esperança é Eterna”, uma antologia de obras do grande artista que contava a saga de sua família judia e sua fixação no Brasil, isto mostrado num templo religioso do maior país católico do mundo.

A segunda, foi a instalação-performance do desconhecido, mas muito importante, artista pernambucano Jonas Melo, que vivia na Filadélfia, EUA, onde mantinha a The Bird and the Trasch Foundation (Fundação o Pássaro e o Lixo) voltada para a arte de vanguarda. Os conceitos de “instalação” e de “performance” como categorias de arte somente foram conhecidos aqui décadas depois, embora Beuys fosse o maior acontecimento da arte na alemã e o happening, de certa forma, o que chamamos hoje de performance.

“Instalação” para os artistas da terra significava apenas a colocação do equipamento necessário para a montagem de qualquer exposição, e “performance” era algo ligado ao mundo do teatro, da música e da dança. Mas lá estava Jonas diariamente executando um ritual pagão sobre um chão coberto de areia, folhas e troncos judiciosamente distribuídos no magnífico espaço da Sé que eventualmente era iluminado pela luz dourada da tarde de Olinda Vestido como um xamã, acompanhado por “sacerdotes” que se movimentavam ao som de uma trilha de ruídos montados por ele, Jonas era o artista performático que nos anunciou a arte de hoje.

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