sexta-feira, outubro 21, 2011

Os cavalos correm





Alon Feuerwerker




Quase um ano depois da eclosão tunisiana, comprova-se: o melhor que as potências tinham a fazer era tentar pegar a onda. E parecem ter apostado nos cavalos certos. Pelo menos os cavalos delas continuam correndo

Sadam Hussein foi arrancado da toca por soldados dos Estados Unidos para acabar morto na forca após um julgamento organizado pelos iraquianos. Muamar Gadafi sequer conseguiu receber o ritual do colega mesopotâmico: acabou sumariamente eliminado na captura.

Talvez por ter sido capturado pelos compatriotas, e não for forças estrangeiras.

Nem lhe deram o direito a um simulacro de julgamento, daqueles rápidos, tipo o oferecido a Nicolae Ceaucescu. O destino foi buscar Gadafi ali mesmo. Sem misericórdia.

Dirão, com certa dose de razão, que o líbio recebeu o tratamento que provavelmente dispensaria a um inimigo em situação similar.

E a página foi virada.

Ter o fim de Muamar Gadafi é o risco dos líderes empenhados em fundir sua pessoa e as instituições. Reduzem muito a chance de sobrevivência física fora do poder.

A mudança política acaba exigindo a eliminação de quem personifica o Estado. Para marcar a passagem a uma nova era.

E para evitar a perpetuação de um conflito entre polos irreconciliáveis. A coisa mudou pouco desde os primórdios da humanidade. Para subjugar uma tribo é necessário neutralizar seu chefe. De uma maneira ou de outra.

Há situações nas quais é possível fazer a transição com o líder vivo, e um bom exemplo foi a "humanização" do imperador japonês no desfecho da Segunda Guerra Mundial.

Mas em geral não dá. Mostrar a cabeça cortada do comandante adversário continua sendo uma maneira bem eficaz de convencer os seguidores dele à rendição.

É provável que Gadafi soubesse do risco de acabar sumariamente eliminado, e talvez por isso tenha prometido lá atrás caçar os adversários de casa em casa. Para ele foi sempre um jogo de tudo ou nada.

Ou eles, ou ele.

O poder absoluto tem disso. Ainda mais quando se transforma em cleptocracia hereditária. Não espanta que desencadeie, na contracorrente, uma violência igual, de sinal trocado.

Violência aliás já descrita um dia como a parteira da História. Constatação cuja atualidade as revoluções árabes mostram todos os dias.

A próxima parada do trem é na estação de Damasco, se a composição não acabar desviada para o Iêmen. Mas a ordem das estações é o de menos.

A partir do momento em que optou por -ou foi forçado pelos apoiadores a- reprimir sanguinariamente os compatriotas, Bashar al Assad contratou para si um destino pouco glorioso.

A dúvida é se terminará caçado em algum buraco ou se vai correr antes para um braço amigo. Como fez o líder da Tunísia. Nessa escolha, o problema de Assad -ou um dos problemas- talvez seja a escassez de amigos.

Firmes mesmo com ele, nesta altura, só o Irã e o Hezbollah.

Quem vai bem, nas circunstâncias, é o chamado Ocidente. Cujo inevitável fracasso na abordagem das revoltas árabes foi previsto, como diria Mark Twain, talvez um pouco cedo demais.

Quase um ano depois da eclosão tunisiana, comprova-se: o melhor que as potências tinham a fazer era tentar pegar a onda. E parecem ter apostado nos cavalos certos. Pelo menos os cavalos delas estão correndo.

Enquanto outros já foram sacrificados.

O mundo árabe vive seu terceiro ciclo de rupturas em menos de um século. Começou com a queda do Império Otomano ao final da Primeira Guerra Mundial (1914-18) e a formação de monarquias absolutistas patrocinadas pelo colonialismo.

Um modelo que entrou em colapso após a Segunda Guerra Mundial (1939-45) com a descolonização. Em boa parte dos países árabes os monarcas foram substituídos por oficiais nacionalistas, com tintas de socialismo.

Agora a História faz a nova varrição. E quem vem por aí? A única força alternativa ali organizada e dotada de visão de mundo com começo, meio e fim: o Islã.

O mundo precisará conformar-se com a ascensão do Islã naquele pedaço. Na hipótese otimista, será um Islã democrático. Na pessimista, degenerará em novas tiranias, que conduzirão aqueles povos a novos fracassos.

Mas é um debate até certo ponto vazio de significado prático. O que tiver que ser, será. Isso foi bem compreendido pelos profissionais em Washington, Londres, Paris, Roma.

Gente que por dever de ofício precisa prestar mais atenção à defesa dos seus interesses materiais do que às próprias idiossincrasias.

Do Blog do Alon

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