
Hugo Caldas
Do que eu mais sinto falta desde que deixei a casa, onde vivi por 35 anos, além dos meus cantos e recantos, é do espaço disponível. Lá eu dispunha da minha sala de aulas e um pequeno recanto subtraído a um dos terraços onde instalei a minha bancada para pequenos trabalhos manuais, mania que devo ter herdado do meu avô Ambrósio.
Tínhamos no pequeno quintal, um sapotizeiro, generoso nas safras e um pé de pinhas que nunca brotava, além de alguns pés de mamão-macho. O terreno de praia muito salobro não se prestava ao cultivo sem uma correção de solo que nunca aconteceu. Lembro de ter plantado umas sementes selecionadas de milho em um determinado dia de São José, que realmente deram lindos pés de milhos com quase dois metros de altura, porém as espigas tinham apenas 3 ou 4 dentinhos. Cheguei a ousadia de experimentar uma pequena horta e criar umas poucas galinhas. Mas eis que me descubro divagando, fazendo arrodeios, sem realmente falar sobre o cerne da questão, o que realmente me faz falta aqui neste apartamento para onde nos mudamos. O Geninho.
O Geninho era uma ave da ordem Apodiformes, que inclui apenas a família Trochilidae e seus 108 gêneros. Só no Brasil existem 322 espécies conhecidas.

O Geninho foi o beija-flor mais simpático que já conheci.
Quando compramos a casa em 1975 e fomos nela morar, ainda não havia a desenfreada especulação imobiliária que existe hoje. Havia um prédio aqui, outro ali, as ruas não eram calçadas e vivíamos em relativa paz. Era comum avistarmos um tráfego mais ou menos intenso de pássaros os mais diversos: papagaios, colibris e bem-te-vis assustando uns poucos gaviões. Aliás, aparecia de vez em quando uma dupla de bem-te-vis voando sempre juntos. Pousavam obrigatoriamente no desvão de janela de uma galeria das vizinhanças e ali ficavam horas no maior conversé. Ganharam logo o nome de "As Pereira". Presença diária e obrigatória era a da temida coruja piando o seu agourento rasga-mortalha, à noite.
Era costume, nos dias de calor intenso colocar uma cadeira no deck da piscina, único lugar da casa onde era possível respirar uma temperatura agradável ao cair da tarde. Numa dessas tardes, eu conheci o Geninho. Ele chegou estabanado, de repente, deu uns quantos rasantes na piscina, molhou o pequeno bico, os diminutos pés e numa acrobacia bem estudada, pairou flutuante qual minúsculo helicóptero, olhou para mim com ares superiores como que dizendo: "Conheceu, Papudo?" E sumiu na imensidão do céu. Senti não estar com a máquina fotográfica à mão, tal o desmedido acinte.
Dia seguinte, lá estava eu novamente, no mesmo lugar e horário, tomando a fresca da tarde quando eis que me volta o pequeno beija-flor. Dessa vez ele caprichou nas acrobacias, novamente me encarou circunspecto e se foi. A experiência se repetiu nas tardes seguintes ao ponto de me exasperar à aproximação das 17:00hs temendo que ele não viesse naquele dia. Ou estando eu fora de casa ficava agoniado para não perder o meu encontro com a pequenina criatura. À essas alturas já havíamos estabelecido uma relação amistosa, já o havia inclusive batizado de Geninho, enfim, ele fazia absolutamente parte do meu dia. Chegava sempre às 17:00hs. Nem 16:59hs e muito menos, 17:01hs.
Era pontual o meu amiguinho, como no poema de Pablo Neruda "a las cinco en punto de la tarde".
O tempo foi passando as circunstâncias nos levaram a deixar a nossa casa. Senti a falta de muitas coisas entre elas as visitas do Geninho. Porém o tempo também tudo acomoda. Terminei por esquecer o meu pequeno amigo. Nova vida em apartamento e apartamento tem dessas coisas, e loisas. A privacidade que desfrutávamos na casa desapareceu por completo. É gente por todo o lado. É problema com ruídos, acima, abaixo e ao redor. Um horror.
Dia desses estava eu sentado na sala com o janelão escancarado, a fim de captar o agradável ventinho provindo do Atlântico, em maré alta. Eram cinco da tarde e eis que me invade a sala um beija-flor. Tal e qual o Geninho. O coração bateu depressa. Foi um alumbramento. Deu umas incertas pelo cômodo e se foi como veio, sem olhar para mim. Mil pensamentos invadiram a minha cabeça. Teria sido o Geninho? Será que ele também sentiu falta do amigo e finalmente me encontrou? Os beija-flores são bastante semelhantes e posso muito bem estar enganado. Mas também posso não estar. Estarei a ver coisas? O fato é que decidi comprar aqueles recipientes de plástico onde terei sempre uma aguazinha fresca para eles.
Volta Geninho. Vamos reatar aquela velha amizade, aquelas visitas prazerosas todo fim de tarde, à beira de uma piscina. É bem verdade que não temos mais a piscina, mas a gente dá um jeito.
Volta, amigo!
6 comentários:
Belo texto, Hugo. Registro de um momento específico pelo qual estamos passando, passamos ou vamos passar em breve.Estou vendo prédios cercando minha casa e vou resistindo, como o velho do filme de animação UP, Altas Aventuras. Seu Geninho é um figuraço. Solha
Hugo,
Que encanto de texto! É a linguagem do coração, da pura emoção. Momentos assim enriquecem nosso viver...Parabéns pela capacidade de transmitir a beleza de fatos,que muitas vezes passam despercebidos.Adorei o "volta amigo"! Um abraço. Márcia
Olá querido,quem escreve é Nielle Melo(young Lady como diz você).Estou torcendo para que outros Geninhos apareçam em sua vida e me identifiquei com a história porque coincidentemente recebi algumas visitas, não de beija-flores mais de uns filhotes de bem- te- vis,seus pais fizeram um ninho na minha sacada, morro de rir quando surpreendo eles querendo voar e atrapalhados caem no chão e começam a andar ou melhor, saltitar, lembro do trecho de um dos livros de Clarice Lispector onde ela fala: "Gosto do modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão".
porra, Hu, quantos Geninhos já perdemos na vida!
Haverá potinhos para gente vir bicar?
dh
Caro Hugo....Com certeza o geninho voltará para rever vc muitas vezes...Um abç fraterno...Luna
Primo Hugo
Lí seu comentário sobre o bentivi,gostei, mandenotiícias. O primo A.Caldas
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