sábado, setembro 24, 2011

Vale a Pena Ver de Novo

O EX QUASE FUTURO MINISTRO

Se a Globo pode, eu também posso. Resolvo, caros amigos, postar mais um "Vale a Pena Ver de Novo". Subsídio, contribuição para a História? Não me atrevo a tanto. Às vezes custo a acreditar que os mal-assombrados da década de 70 realmente aconteceram. HC

Hugo Caldas

Corria o ano da graça de 1973. Eram os “anos de chumbo” do General Médici. Iniciava uma nova fase na minha vida profissional, morando na cidade do Recife, e implantava uma escola de inglês. A comunistada, todos meus amigos, perguntava provocadora e abusada o por que das aulas de inglês e eu argumentava em tom de blague que, era para que todos pudessem saudar, bandeirinhas americanas agitadas, os marines chegando pela 7ª Frota, que diziam estar perto de Fernando de Noronha.

Na época era comum dar guarida aos perseguidos da ditadura. Quase todos os nossos amigos corriam dos feitores do general de plantão. Nada mais natural, do que prestar solidariedade, a pessoas de quem você nunca antes ouvira falar. Essa era a nossa maneira de “estar contra”.

Um belo dia me aparece um sujeito largadão todo. Era amigo do amigo da tia de outro amigo, meio “contra-parente-da-sogra-que-eu-nunca-tive”. Vinha do sul, trazia credenciais de um amigo querido. Abri a minha casa. Dizia ele precisar fazer dinheiro, pois estava a caminho do Araguaia. E apregoava isso na maior. Sem um mínimo de cuidado. Cabeça muito louca. Trazia alguns objetos para negociar e fizemos então uma transação com uma máquina de filmar em Super 8, Cannon - 1014 que era o meu sonho de consumo. Mas eis que o fulano cismou de me recrutar para a guerrilha. Argumentava ele que, se agora já dispunha da máquina de filmar, eu deveria ir, pois me tornaria o fotógrafo do movimento. “Iria documentar a história”.

O que me fez duvidar um pouco da sanidade mental do incipiente revolucionário residia no fato de que, antes de ir pros matos, sem nunca ter pelo menos olhado para uma arma, eu teria que importar do Rio Grande do Sul, um mimeógrafo. Peça por peça.

A cada 15 dias um mensageiro do Partidão aportaria no Recife trazendo uma parte da geringonça. Perguntei, na minha santa ignorância, se não seria mais prático comprar um mimeógrafo aqui mesmo… Ah, pra que! O futuro guerrilheiro argumentou de mil e uma maneiras, olhos esbugalhados, botando fogo pelas ventas, pra dizer ao final, que o “coletivo” não sei das quantas, já havia decidido que era pra trazer a preciosa ferramenta pra cá e pronto. O sujeito me parecia viver um clima de cristão das catacumbas. Ou talvez quem sabe, ele e o pessoal do tal “coletivo” estivessem lendo muita revista em quadrinhos. Claro que argumentei também, o quanto pude e não fui pro Araguaia. Estava casado, pai de dois filhos ainda pequenos. Nova escola sendo implantada. Família a sustentar.

Hoje, muitos anos passados, recordo o caso. E se eu tivesse ido? E se, além de “documentar a história” eu tivesse me dado bem? Quem sabe, poderia até ter escapado com vida da lista infame de um tal companheiro G. e do implacável coronel que o tinha prisioneiro…

Com as voltas que o mundo dá… Se eu tivesse me filiado ao Partido dos Trabalhadores… Feito carreira… Até ser finalmente considerado “companheiro de armas” pelo camarada D! Hein?! Já pensaram nisso?

Quem sabe, eu talvez até chegasse a ser Ministro. Estou pensando nisso tudo agora, após tanto tempo, e tenho a certeza mais absoluta que eles continuam a ler revistas em quadrinhos, Rambo, essas coisas. Ou então não despiram o uniforme camuflado da malfadada guerrilha do Araguaia.

Do maluquete a quem dei guarida e a quem comprei a filmadora nunca mais tive notícias.

2 comentários:

Aline Alexandrino disse...

Adorei!!! Agora... Achei um desperdício voce não ter ido pro Araguaia. Caso típico de quem não é capaz de ler o futuro, como voce mesmo deixa perceber durante o texto. Bem feito! Todo castigo é pouco! Quem manda não ter dotes de Cassandra como o Zé (dirceu, com minúscula mesmo...)Aline

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Hugo,
Que vida movimentada!
Quantos casos interessantes e divertidos. Muito bom ler seus textos. Abraços. Márcia