
José Virgolino de Alencar
Nos anos cinquenta, o Brasil se dividia entre os políticos alinhados com a política dos Estados Unidos, chamados então de entreguistas, e os nacionalistas, chamados de xenófobos. Os primeiros também eram anatematizados como direita reacionária e os segundos como camarilhas comunistas. Para o grupo político que afirmava ser bom para o Brasil o que fosse bom para os Estados Unidos havia a réplica de que seus integrantes consideravam nosso país como Estados Unidos do Brasil.
Embora essa divisão, de certo modo e teoricamente, continue a ser lembrada nas questões político-ideológicas, ao longo do tempo ela tomou muitos rumos e muita água rolou por debaixo da ponte, enquanto em cima se discutia os caminhos para o país.
Mesmo aos trancos e barrancos, o Brasil cresceu, sempre dentro de seu modelo, em que a riqueza é concentrada nas mãos de poucos e a maioria é excluída do banquete onde se come refinadas iguarias. Com a população crescendo, mesmo que o modelo mantenha-se uniforme, com o próprio fosso de separação de ricos e pobres aumentando de profundidade, o número dos que podem consumir aumenta e o mercado torna-se mais poderoso.
Quando ocorreu, a partir dos anos setenta, um crescimento e uma modernização mais acentuados, Edmar Bacha, economista, cientista social e escritor, criou para o Brasil a alcunha de Belíndia, significando que a economia do país tinha porte de uma Bélgica, mas mantinha índices sociais dignos de uma Índia, que à época se caracterizava por ser um país grande em dimensão, tanto quanto enorme na pobreza.
Já tínhamos riquezas de primeiro mundo e situação social, em termos de distribuição de renda, que se nivelava com o terceiro ou quarto mundo. Nos anos recentes, em que pese os maus governos que tivemos, com a globalização e o mercado mundial unido em tempo real, o Brasil ganhou o rescaldo da riqueza criada no primeiro mundo e cresceu bastante.
O nosso país, pelo seu potencial, foi descoberto pelas potências que formavam o G-7 e estas o elegeram, como também a China, a Índia e juntando mais a Rússia que faz parte dos dois blocos, para despejar seus maciços investimentos e aplicar seus dólares, atraídos, no caso especial do Brasil, pelos generosos juros pagos ao sistema financeiro e pelos governos que sujeitaram-se ao monitoramento das grandes potências.
A imprensa econômica mundial criou, informalmente, o grupo chamado de BRIC (iniciais de Brasil,Rússia, Índia e China), para onde estavam sendo carreados os recursos excedentes nos caixas dos países componentes, principalmente, do G-7. Do BRIC, o Brasil é o país que mais recebe investimentos estrangeiros em relação a seu Produto Interno Bruto-PIB, mas é o que apresenta menor índice de crescimento e maior taxa de inflação. A atração dos investimentos, como dito antes, deve-se à taxa de juros, uma das maiores do mundo.
Nesse modelo, a economia do Brasil é, hoje, grande na dimensão de seu PIB, mas permanece o mesmíssimo estado de coisas, ou seja, o enorme fosso entre os ricos e os pobres. 10% dos brasileiros detêm 90% do bolo das riquezas, restando 10% dele para 90% de brasileiros. A distribuição de renda é acanhada, muitas vezes feita mediante assistencialismo, doação, com caráter de esmola, de dinheiro sem retorno, sem geração de produto, ou seja, dinheiro que vira fumaça.
De qualquer modo, o Brasil busca, na economia, embora muito atrás, os caminhos da China. Por outro lado, conserva um volumoso nível de pobreza, de baixo Índice de Desenvolvimento Humano-IDH (nesse item, o Brasil é o 72º país no mundo, perdendo para nações cronicamente atrasadas, porém com qualidade de vida humana melhor do que em nossa grande nação).
Por isso, lembrando Bacha e sua avaliação do Brasil dos anos setenta/oitenta, seja, da Belíndia, agora podemos dizer que o Brasil se constitui numa Chinomália, por ter posição econômica que se aproxima da China, entretanto, com índices sociais da Somália, onde a fome impera desumanamente, matando populações, cujas vítimas chegam à casa da dezena de milhares.
Esse quadro do Brasil, por si só lastimoso e negativamente singular, é agravado pela imensa corrupção que destrói as estruturas administrativas públicas, fazendo com que os projetos de melhoria e benefícios para a população tenham os seus recursos desviados para contas de paraísos fiscais, em nome exatamente de muitos daqueles que são responsáveis pelo destino da nação.
A insustentabilidade do modelo de desenvolvimento pode derrocar a Chinomália, quando possivelmente perderemos a corrida que nos leva a disputar com a China e entrar numa competição desgastante, onde seus corredores exangues disputarão a maratona da fome com a paupérrima Somália. Disso tudo, o que sobra mesmo é o Brasomália.
O Brasil de sempre transformado numa Somália.
Nenhum comentário:
Postar um comentário