quarta-feira, agosto 17, 2011

A ultima vez que vi meu pai

Anco Márcio de Miranda Tavares

Meu pai foi o homem mais honesto que conheci. Eu poderia parar por aqui, mas ele merece mais. Causei desgostos e tristezas a ele, mas ele sabe que alcoolismo é doença, e o quanto eu lutei até ficar livre. No final da vida, ele me viu, sóbrio com meus filhos, minha casa, vivendo honestamente como ele me ensinou.

Meu pai foi vendedor de loja no começo da vida. Depois foi ser agente fiscal.Viveu e morreu pobre. Sempre lidou com dinheiro alheio, mas o dinheiro dos outros é dos outros, ele nunca mexeu. E ensinou isso a seus sete filhos, todos ainda vivos. Depois as coisas apertaram e ele voltou a trabalhar novamente como auxiliar de contador.

Na minha casa pobre, na casa dele, nunca faltou comida.Tinha comida simples. Mas nunca faltava. Meu pai nunca deixou que isso acontecesse. Andava mal vestido e mal calçado, mas o nosso bem estar era sagrado. Era um bom pai desses que saem com os filhos para caminhadas para lugares distantes, desses que seguram na mão, orientam, dão conselhos.

Meu pai teve uma enorme tristeza com a morte de minha mãe, com quem foi casado por mais de quarenta anos. Ensimesmou-se, foi pra casa de minha irmã, não foi ao velório nem ao enterro. E quando alguém dava pesames, ele chorava com um nó na garganta. Fui eu que lhe dei a noticia da morte de minha mãe. Ele disse apenas que, sabia, que quando ela saiu de casa, sentiu que não haveria retorno. Premonição de quem viveu junto a vida inteira. Sua companheira, a mãe de seus filhos fora embora e ele sentiu muito...

Um dia adoeceu mais do que já estava. Foi levado pro hospital e ficou vários dias. Eu não tive coragem de ir lá. Sabia noticias suas pelo telefone. Uma tarde liguei e soube de sua morte. Fui ao velório, chorei, me angustiei, mas a vida nos conforma. Na funerária fiz uma coisa que nunca havia feito em toda minha vida adulta. Me dobrei e beijei seu rosto. Dei as costas e saí caminhando. Foi a ultima vez que vi meu pai...

3 comentários:

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Sr. Anco Márcio,

Belíssima homenagem!!!
Quanta emoção o texto transmite.
Não tem como não sentir o coração bater mais forte e deixar rolar uma lágrima...
Muito bonito tudo que o sr. disse.
Parabéns!!! Um abraço. Márcia

Fernando Lira disse...

Caro Hugo:

Conheço Anco Márcio, jornalista, ator, teatrólogo, radialista e escritor de primeira qualidade. É possuidor de rara inteligência.
No passado distante, estudávamos no Liceu e residimos no mesmo bairro, na velha rua da jaqueira.
Anco é parecidíssimo com o pai (foto), que, infelizmente, já não convive entre nós.

Carlos Alberto disse...

Sr. Hugo:

O texto é perfeito e verdadeiro.
Se não tivesse assinado eu poderia imaginar a autoria.
Conheço Anco e os irmãos, desde a infância, na cidade de Ingá-PB.
Família numerosa e todos dotados de rara inteligência.
Sou leitor assíduo, tambem do seu blog: ancomarcio.com.br.