
Hugo Caldas
Sobre o tema já postei matéria aqui mesmo no Blog. Não houve apenas o vexame passado por Getúlio Vargas et caterva. Houve também acontecimentos sofridos por pessoas, como direi, da própria terra tabajarina.
Venelipe Joaquim de Almeida era o seu nome. Casado, evangélico, morava quase em frente à minha casa na Travessa Rio Grande do Sul. Tinha uma fieira de filhos todos batizados com nomes bíblicos. Venelipe era a elegância em pessoa. Preto, dentes alvos, alto, simpático, educadíssimo, envergava sempre um terno de diagonal muito bem engomado, chapéu de feltro cinza, sapatos sempre lustrando. Seu porte esguio lembrava aqueles guerreiros africanos saltadores. Tomava freqüentemente umas carraspanas, porém nunca o vi perder a compostura. Enfermeiro formado, lotado na Secretaria da Saúde, Venelipe era, no entanto, um apaixonado pelos esportes e segurava firme no comando do Filipéia Futebol Clube, como seu presidente, técnico, distribuidor de camisas enfim, o faz-tudo dentro do clube. O Filipéia, não ia nada bem das pernas dos seus jogadores. Como também das finanças. Urgia que se fizesse alguma coisa para salvar a agremiação. Venelipe convoca uma reunião de emergência para expor a constrangedora situação, bem como buscar soluções. Pelo Filipéia, tudo.
Certa noite, na sede localizada por trás do Pavilhão do Chá, recinto praticamente lotado é iniciada a sessão. Venelipe tocava a campainha para chamar à ordem todos os sócios, atletas e dirigentes presentes. Tinha ele uma inquietante declaração a fazer. Lá pelo meio da arenga ocorre então a "mudança de chave". A sala quedou-se na maior escuridão. Após os 15 segundos de praxe, as luzes voltaram, notou então o presidente, que a caneta e o mata-borrão haviam sumido da mesa da diretoria. Venelipe então, muito educadamente, sem alteração de voz, qual um lord inglês, confiando no caráter e na boa formação dos sócios e demais presentes, abriu um voto de confiança a cada um dos participantes.
- Atenção, meus amigos, berrava ele batendo energicamente na campainha numa tentativa de impor uma certa compostura à reunião: Mandarei apagar as luzes dando assim chance ao autor da brincadeira sem graça, para que ponha de volta os objetos subtraídos.
Novamente as luzes são apagadas, e quando reacendem, oh decepção, haviam dado fim a nada menos que a própria campainha da presidência. Venelipe, sem perder a fleuma disparou do alto da sua mais que legítima indignação:
- "Está encerrada a reunião porque no Filipéia só tem corno, féla da puta e ladrão."
4 comentários:
Nosso folclore é imbatível, Hugo! Lembro-me do Venelipe, Felipeia, Red Cross, Arsenal e de muitos fatos pitorescos do futebol narrados por meu pai, Petrarca Grisi (um dos primeiros jogadores de futebol, do Esporte Clube Cabo Branco e Presidente do Botafogo). Diversão era o único "lucro".
Hugo,
Venelipe só falou a verdade e de maneira muito engraçada,ótimo! Abraços. Márcia
Estimado Hugo:
As coisas por aqui na Capital das Acácias, não mudaram muito. Se aperfeiçoaram. Existem ainda,as tais reuniões presididas por poucos Venelipes, mas em vez de desaparecer caneta, mata borrão e campainha, desaparecem mesmo dinheiro, terreno, carro e outros objetos afins.
Contava-me meu pai, que na década de 40, quando a disputa do futebol nacional se dava a nível nacional, com o Brasil dividido em regiões, nas quais as seleções estaduais disputavam uma classificação para as finais, geralmente realizadas em S. Paulo, na primeira partida entre Paraíba e Pernambuco nossa seleção levou um placar de 15 x 00, o que gerou críticas profundas e uma crise séria da FPF, pois havia de se disputar a segunda partida, no Recife, e os dirigentes dos clubes paraibanos não queriam assumir a presidência da delegação e correr o risco de nova desmoralização, com derrota semelhante.
Em reunião bastante tumultuada, com presidentes de Botafogo, Astréa, Cabo Branco, Auto Esporte e outros menores recusando a honraria, o nosso Venelipe levantou-se e bradou: “se é para a tranquilidade de nosso futebol, pode lançar na ata que eu aceito”.
Lógico que houve outra derrota, não tão acachapante, mas o “plebe ignara” espalhou que o Brasil teve três grandes decisões políticas em uma só palavra. D. Pedro, com o “fico”, João Pessoa, com o “nego” e Venelipe, com o “vou”.
Um bom domingo.
Arael
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