sábado, maio 14, 2011

SOMBRAS PARTIDAS

Djanira Silva

Num momento de angústia e de incerteza ela surgiu. A sombra fria do seu sorriso amortalhou o meu. O que sabia eu daquela criatura esquisita e estranha? A sua imagem era uma grande sombra deitada no chão, inerte, sem cor. Assim são as sombras. Por que me olhava aquela mulher? Seus olhos me fitavam como se nunca tivessem visto a vida. As mãos, feito garras crispadas esmagavam a própria carne. Os lábios apertados um contra o outro pareciam trazer presa, ainda, a tentativa de um último sorriso. Os pés fincados no chão firmes e imóveis esquecidos das estradas. Olhava-me a mulher sem sentimento algum. Parecia um sepulcro caindo aos pedaços,

Como me desafiasse, resolvi desafiá-la, decifrá-la. Fitei com firmeza os olhos vazios e inexpressivos e, com a insensatez de quem não teme perigos nem revelações, olhei como quem olha pelo buraco de uma fechadura, e vi, vi lá dentro o brilho dos cabelos dourados de uma menina antiga, muito antiga. Sim era ela, era a menina que estava presa nos olhos da mulher, daquela que parecia nunca ter visto a vida, a menina que um dia atravessou o mundo sem temer os perigos da travessia. Vi-lhe no rosto e nos lábios o mesmo sorriso que iluminava suas faces rosadas, e deixavam escapar a gargalhada cristalina que ecoava pelos caminhos misturada ao cantar dos pássaros.

A mulher sorriu. Seus pés se soltaram do chão. Dançava. Agora, dançava. E, pensando que sorria tentou enxergar o mundo com os olhos que nunca haviam visto a vida.

De repente o velho espelho à minha frente se desfez em mil pedaços.

Um comentário:

ana arnaud disse...

Belíssimo texto Djanira!Onde posso ler outros textos seus? parabéns!