segunda-feira, abril 25, 2011

A ERA DA INCERTEZA

W. J. Solha

Todo mundo conhece a lenda folclórica hindu em que sete cegos se deparam, pela primeira vez, com um elefante. Um se abraça a uma das pernas do paquiderme e diz que ele é como uma coluna; outro, tocando-lhe o ventre, sentencia que se trata de algo como um tonel; o terceiro, pegando-lhe o rabicho, considera que, ao contrário, o elefante é uma porcariazinha curta e fina, e isso provoca novo desacordo: o do cego que apalpara a tromba do animal, etc, etc.

Vivi algo semelhante em 1992, depois de ver vários VTs do concerto “Os Indispensáveis”, com música do Eli-Eri, texto meu, participação de vários solistas, sinfônica, grupo de dança Sem Censura e coral da UFPB. Cada um desses VTs foi encomendado por um participante, e o resultado foi que nenhuma das versões afinal disponíveis mostrou o espetáculo como um todo. O contratado por Eli-Eri concentrara-se no maestro, o tenor Elton foi quase que onipresente na sua versão, uma das dançarinas também centralizou totalmente a fita que encomendara, e assim por diante. Eli-Eri percebeu a mancada e me pediu que fizesse uma cópia que juntasse todos aqueles pontos de vista numa montagem cinematográfica da coisa, e foi só quando todos tivemos uma visão de conjunto do que vivêramos.

Pois bem. O americano John Kenneth Galbraith tem um livro de que gosto muito: “A Era da Incerteza”, de 1977, em que traça a trajetória da Economia, de Adam Smith até os anos 70. O inglês Bryan Magee tem, também, uma obra excelente, “História da Filosofia”, com os caminhos do pensamento mais abrangente (incluindo economia), dos gregos até a morte de Karl Popper, em 94. Tudo muito bom, até que dou com uma divergência notável entre os dois. O que havia de sólido, antes que tudo se desmanchasse no ar que respirávamos? Para o americano, as certezas tinham estado com o capitalismo imperialista, de um lado, Marx do outro. Para o inglês, elas se encontravam nos duzentos anos de ciência e filosofia, a partir de Descartes e Newton.

Galbraith, convicto:

- Se alguém tivesse que escolher uma cidade da qual observasse a mudança, seria Cracóvia, escolhida como base por Lênin, o homem que, mais do que qualquer outro, dirigiu e catalisou a dissolução da antiga ordem. Todo mundo esperava – baseado na confiante análise de Marx e Engels – que a revolução eclodiria em breve, e num país industrialmente desenvolvido, com um operariado forte, consciente e revoltado. Aí surgiu Vladimir Ilitch, impaciente com o fato de que os novos tempos cada vez mais desautorizavam seu mestre... e com uma novidade: em lugar de multidões armadas, muito melhor seria que os revolucionários se limitassem a “um grupo de homens intimamente ligados, intelectualmente disciplinados e inteiramente dedicados à causa”. Logo, por que a grande virada não ser na sua Rússia subdesenvolvida e agrária?

Para a “História da Filosofia” porém, a bagunça começou um pouco antes da Revolução de 1917.

- Na virada do século XX – diz Magee - um gênio científico, Einstein, surgiu em cena, produzindo teorias incompatíveis com as de Newton (...) e as conseqüências disso foram cataclísmicas. Sempre, desde Descartes, a busca da certeza estivera no centro, ou quase, do pensamento ocidental. (...) Agora tinha de ser abandonada, porque a certeza – como argumentava Popper – está tão indisponível para a política quanto para a ciência.

Como na lenda hindu - a dos cegos em torno do elefante - e como nas várias versões do VT d”Os Indispensáveis”, a verdade sobre o aparecimento da Era da Incerteza me parece estar não só em Magee, não só em Galbraith, mas nos dois juntos. Lênin errou ao não ouvir Marx, precipitando-se na construção de uma União Soviética com alicerces na areia, e que, por isso, no final do mesmo século em que foi criada, se esfacelou. A Revolução poderia ter acontecido noutra nação? Certamente, não: como disse o próprio Galbraith, as reivindicações de “O Capital” e do “Manifesto de 1848” fizeram com que o capitalismo selvagem achasse melhor perder alguns anéis do que os dedos.... e resistiu.

Magee, ao considerar a Teoria da Relatividade, de 1905 - tornando toda certeza relativa – a causa de todo esse mal-estar instaurado no século XX, foi pouco relativista, pois na verdade ela apareceu num contexto propício à sua eclosão, assim como, também, à eclosão das teorias de Freud, e, antes delas, as de Darwin e do próprio Marx, e à do cinema, com a exibição, em 1895, de dois filmes dos Lumière - "A saída dos operários da Fábrica Lumière" e "A chegada do trem à Estação Ciotat" – ao tempo em que Cèzanne fazia a transição do que fora a arte até então, para a que viria no início do século XX.

Não foi em vão que Spinoza cunhou a impossível expressão “sub specie aeternitatis”, como o ponto de vista – da eternidade - que deve ser buscado como ponto de partida pra análise de qualquer coisa.

W.J. Solha - Escritor, Dramaturgo e Ator
wjsolha@superig.com.br

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