sábado, abril 02, 2011

“A Mansão dos Hatefield’s”

Vejam vocês o que causou o meu texto sobre a praia de Tambaú no final dos anos quarenta. Me apareceu um paraibano de Souza com esse belo texto, também professor de inglês, 87 anos bem vividos, 45 desses divididos com um grande amor. Pai de 4 filhos e avô de nove netos. Descobri ainda que havia outro pontinho branco no horizonte a desafiar os tubarões junto com o Veloso - era o Francisco Nunes da Costa, hoje residente em Natal, onde continua contando as estrelas do céu, tarefa que ocupa desde a aposentadoria. Bem-vindo ao Blog, meu caro. HC

Francisco Nunes da Costa

Em João Pessoa conheci Eurípedes Gadelha, meu colega de trabalho nos Correios e que se tornou um grande amigo. Jornalista, inteligente, brincalhão e sempre pronto a ajudar as pessoas.

Um dia, queixei-me com ele sobre a minha dificuldade financeira e ele me convidou para integrar um grupo de rap
azes, seus amigos, que habitavam uma república em Tambaú, cujo aluguel, dividido, ficava suave para cada um no fim do mês.

— Se você quiser, conseguirei uma vaga —
disse ele.

No mesmo dia, uma sexta-feira, no final do expediente, fui com ele conhecer o "rancho". Antes, passei na pensão onde morava, na Rua da Palmeira, peguei as minhas roupas, avisei que passaria alguns dias na casa de um amigo, na praia, e seguimos de bonde para Tambaú.

O verão havia começado. Encontrei um grupo animado, formado por rapazes solteiros, de famílias conhecidas na cidade. Eu era o único em situação diferente. De qualquer maneira, senti-me à vontade porque todos me conheciam e, talvez por influência de Gadelha, procuraram fazer com que eu me ambientasse o mais depressa possível, já que eu aceitara ser um novo membro da “Casa dos Hatefield’s”.

Tambaú anos 1940

Pela primeira vez, depois de 11 anos, desde que cheguei a João Pessoa, em 1940, eu percebia as maravilhas de Tambaú, ressaltadas pela intensidade daqueles dias de verão. Suas longas manhãs de sol, suas tardes suaves e suas noites ternas atraíam muitos veranistas de cidades do interior, principalmente campina Grande. Vi-me, de repente, um privilegiado, morando à beiramar, com direito a ver e sentir o balançar dos coqueiros e mergulhar nas águas mornas e rasas daquele mar. Pude esquecer a aflição que vivi nos últimos anos.

Permaneci todo o verão na comunidade dos “Hatefield’s”. Compunham essa família, além de Gadelha, Geraldo Rolim de Cajazeiras, Elcir Dias, jornalista, João Geraldo Leite (Joquinha), da Sul América, José Piauí, caixa do Banco do Brasil, Célio Peregrino, filho de Borges Peregrino, artistas, poetas, acadêmicos, engenheiros que não recordo os nomes e alguns “biriteiros”, entre os quais eu, Francisco Nunes da Costa, me incluí. Alguns outros apareciam eventualmente: José Humberto Sobral, Plauto Mesquita, Eslu Elóy, Edvaldo Oro, David Aires, Nicodemos - "O Pastor". Era uma elite cultural e social sem preconceitos. Nossa comunidade servia também de albergue e recebia a qualquer hora, do dia ou da noite, quem não tivesse paradeiro. De sábado para domingo, os hóspedes surpresa eram tantos que alguns dormiam do lado de fora, no alpendre.

Parecia um acampamento. Dormíamos em redes, ninguém tinha cama, também não havia armários nem mesas ou cadeiras. Oferecíamos aos hóspedes o chão, uma rede ou uma esteira e um cobertor, a balaustrada para sentar e beber cerveja e mais nenhuma outra cortesia. Havia sempre uma esteira, enrolada no canto, à espera de alguém. A "Mansão dos Hatefield’s” era a mais badalada de Tambaú.

Lembro-me que, certa vez, tivemos a honra de hospedar o grande teatrólogo Paschoal Carlos Magno, que se encontrava em João Pessoa para encenar a peça “Écuba”, de Eurípedes, no Teatro Santa Rosa. Isso ficou registrado como um acontecimento histórico vivido na “Mansão dos Hatefield’s”.

As refeições eram feitas no “barraco da Rosa” ou no pequeno Restaurante do Paizinho. A nossa única dificuldade era escolher em qual dos dois nos alimentaríamos, e a decisão dependia das condições financeiras de cada um, no momento.

Aos sábados e domingos, à noite, íamos para o Bar Elite, o maior e mais freqüentado da Praia de Tambaú. Sua famosa sopa de cabeça de peixe era o prato preferido. O garçom Júlio, figura conhecida e querida por todos, atendia-nos com “o que é que vai?” Ele tinha como fortes características o sorriso e as frases bem-humoradas com que recebia a freguesia, demonstrando eficiência. O Elite se tornava o point da badalação e ali, quase sempre, estava a família “Hatefield’s”.

No interior da mansão havia total companheirismo. Jamais ocorreu um desentendimento entre nós. Havia aceitação às divergências de pensamento. Encontros amorosos, esporádicos, sem maiores conseqüências, eram vistos pelos companheiros com discrição. O lema da mansão era: “União, discrição e respeito.” Na porta de entrada da casa, no alto, pendurada por dois arames nas extremidades uma grande placa de madeira bruta, desenhada e pintada por Elcir Dias, grande caricaturista, anunciava para os visitantes e curiosos o nome daquela casa cheia de vida, alegria e camaradagem: "Hatefield's".

Durante o verão, trabalhávamos na cidade e dormíamos na praia. A viagem de bonde era um passeio tonificante. O percurso durava, aproximadamente, 20 minutos, metade deles recebendo a brisa fresca do mar. Eu experimentava uma tranqüilidade diferente.

Por enquanto, mesmo com o salário lá embaixo, eu correspondia com o grupo da praia. Mas, quando terminasse o período, o grupo ia se desfazer, e eu comecei a ficar preocupado com a responsabilidade do aluguel da casa, já que permaneceria morando nela. Pensei em arranjar outro lugar, mas Gadelha convenceu-me a ficar, dizendo que ele e mais dois amigos me ajudariam a pagar o aluguel. Aceitei a proposta, e no final de cada mês eu arrecadava a quantia para efetuar o pagamento da “mansão”.

Um comentário:

Hugo Caldas disse...

Caro Francisco

Primeiramente deixe-me reforçar as boas-vindas ao Blog. Para logo em seguida contar-lhe da viagem no tempo que seu texto me proporcionou. Conheci parte daqueles jovens intelectuais idealistas citados: Célio Peregrino, casado com a irmã de Genildon Gomes. Elcir, que fez uma caricatura minha e que ainda a tenho nos meus arquivos implacáveis. Todos eles nossos companheiros no Teatro de Estudantes, e aí vem o conhecimento com a figura ímpar do Ministro Paschoal Carlos Magno. O Eslu não seria irmão ou parente do Ruy Eloy? Cidade pequena como João Pessoa é assim mesmo. Quem não é parente é compadre. Todos se conhecem. Lembro bem da igrejinha de Santo Antonio. Enfim, foi muito bom ler um texto tão impregnado de história. A nossa história. Obrigado. Meu abraço. Hugo