domingo, fevereiro 20, 2011

SAD AND TIRED

W. J. Solha

O título, tirei-o do maravilhoso solo Getsemani ( I only want to say), de Jesus Christ Superstar :

Naquele tempo eu estava inspirado,
Agora estou triste (SAD) e cansado (TIRED).
Ouça, eu seguramente superei as expectativas.
Tentei por três anos, que me pareceram trinta.
Você poderia pedir mais de qualquer outro homem?

Na verdade, tentei por trinta anos (maneira de dizer, pois foi muito tempo mais) ... que me pareceram os três, dele. E, pela primeira vez, me vejo... muito cansado. E triste. Porque o resultado de tanto esforço foi nulo. Claro: para mim, a arte – qualquer que a tenha praticado – foi sempre teofania, mas apenas no momento da realização. Ela, porém, é expressão, comunicação... e sempre me senti a voz que clama no deserto, a cada livro lançado.

Ouço Orlando Silva:
... sei que o direito é levar
a cruz até o fim...
mas não posso, é pesada demais...
para mim.

Apesar da idade, sinto que, num ataque de fúria, ainda seria capaz de matar mil filisteus com uma queixada de jumento. Mas... pra quê? E reconheço minhas falhas. Em 1990, percebendo que iria me repetir ao começar nova montagem teatral com o grupo Bigorna, resolvi não mais fazer teatro. Em 2002, ao ver, no Festival de Cinema de Brasília, minha performance no longa-metragem “Lua Cambará”, de Rosenberg Cariry, de que eu participara no Ceará, resolvi: “Chega de dar uma de ator”. Claro: isso depois de “O Salário da Morte”, “Fogo Morto” e “Soledade”. Nunca me saí essas coisas. E parei. Recebi, um belo dia, telefonema do Rutílio Oliveira, diretor de Casting de um longa sobre Gregório Bezerra, no Pernambuco, chamando-me para uma pontinha no elenco e eu lhe disse “Não, companheiro: desisti de tudo isso”. Rutílio de novo: outra pontinha, agora no “Bezerra de Menezes”. Disse-lhe novamente que não, ele insistiu, pediu-me pra lhe quebrar o galho – “É só um dia!” E acabei fazendo parte daquela parte do elenco que jamais consta no cartaz de um filme.

Em 2004, no meio de minha maior exposição de pintura, no Casarão dos Arquitetos, João Pessoa, senti que prosseguir pintando seria, também, dar uma de besouro contra a vidraça, como num velho romance de J. G. de Araújo Jorge,... e mais uma vez decidi: “Basta.”

Em 2009, José Nêumane me disse que possivelmente meu Relato de Prócula não sairia pela A Girafa, “pois ninguém mais está comprando livros”. Comprometi-me a comprar da editora – e comprei - quinhentos exemplares do meu romance, tão logo saísse. Claro que me senti desonesto por isso. E injustiçado. Afinal, eu ganhara uma bolsa da Funarte com o trabalho. Recebi, sim, duas ou três críticas bastante favoráveis a respeito do romance. Como as de Hugo Almeida e Ivo Barroso na imprensa do Rio e São Paulo, Bráulio Tavares, na de João Pessoa. Mas olhei para outro romance meu, inédito, Dricas, de que gosto muito, encalhado, e resolvi: “Chega também disso”.

Triste – Sad – and tired – cansado, resolvo – como não sei ficar ocioso - começar novo poema longo – Marco do Mundo – já que o primeiro – Trigal com Corvos – me consumiu catorze anos na sua produção. A ideia é a de, assim, “levar a cruz até o fim”, pois completo setenta anos em 2011 e dificilmente terminarei nova empreitada assim longa, muito menos me preocuparei em editá-la.

Aí veio a inesperada e estupenda experiência de novamente trabalhar como ator, agora com dois grandes diretores pernambucanos - Kléber Mendonça Filho e Marcelo Gomes – nos longas O Som ao Redor e Era uma vez Verônica, entre setembro e novembro do ano passado, o que foi – para mim – a gota d´água. Tendo sido insistentemente convidado para um teste para o primeiro – o que já me causou surpresa - , e sendo – ainda mais surpreendentemente – aceito, ainda mais impactado fiquei quando, no final da primeira produção, fui convidado para um teste para a segunda, que andara buscando um ator para o papel de pai de Verônica em Salvador, Maceió, Recife, João Pessoa e Fortaleza. “O que está havendo?”, perguntei-me ao ser o escolhido. Ao viver intensamente essas histórias, em lugar de cerebralmente escrevê-las, senti – definitivamente – que o tempo do romance foi o século XIX, que teve morte datada na metade da centúria seguinte. Exatamente o que aconteceu com a pintura. A fotografia, nesse caso, e a fotografia em movimento, no anterior, mudaram tudo.

Dez anos sem almoçar, quando ainda trabalhava no Banco do Brasil, pra ter algum tempo pra escrever! E a renúncia, evidentemente, de qualquer futuro numa carreira na empresa. O mesmo comportamento do garoto que, alucinado por uma coleção de histórias em quadrinhos de grande porte – as épicas Epopéias da EBAL – deixou de lanchar, nos anos 50, para, com o dinheiro, comprar os números atrasados dessa revista. Como já disse, vivi teofanias à custa de não sei mais quais sacrifícios, mas não consegui passá-las a meus leitores.
Em parte devido às minhas limitações, em parte devido às limitações da literatura.

Exausto, ao terminar os dois longas pernambucanos, tive ainda dois curtas paraibanos em seguida – A Arte de Pedir Aumento ao Chefe, do Dowling, e Antoninha de Laércio Ferreira, um em João Pessoa, outro a quatrocentos quilômetros daqui, no alto sertão do sítio Acauã, em Aparecida. Exausto, porque me concentrei até o esgotamento total nos quatro personagens que interpretei. Exausto porque, ao mesmo tempo, vi que correra a vida toda na raia errada.

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