sexta-feira, fevereiro 04, 2011

Paulo Francis. Quanta falta faz o auto-declarado "Lobo Hidrófobo". Imagino, o que ele diria de tudo o que acontece nos dias que correm. Hoje, 4 de Fevereiro faz 14 anos da sua morte. Em sua homenagem republico aqui um texto de Ivan Lessa datado de 2007. Boa leitura. HC.

05 de fevereiro, 2007

Ivan Lessa

Domingo, 4 de fevereiro, fez 10 anos que Paulo Francis morreu.

Conheci Francis em 1953, quando o Studio 53, de Carlos Alberto Murtinho, fazia uma temporada, só às segundas-feiras, com três peças em um ato, no Teatro de Bolso do Silveira Sampaio, na praça General Osório.
“Baby” Murtinho me apresentou Francis dizendo ser um amigo que “estava ajudando na bilheteria”. Prazer, prazer. Durante mais de 40 anos, eu pedi a Francis dois bons lugares na platéia, na quinta fila. Gozado.

Francis tinha 23 anos e eu 18. Jogávamos “buraco” na casa de “Baby” Murtinho e Telcy Perez (Telmo Martino também fazia parte do grupo) num pequeno apartamento na Djalma Ulrich.

Francis não sabia ser sutil. Quem ganhasse – e eu ganhava muito, sempre tive sorte – escutava palavrões cabeludos e sinceros. Lembro de Telmo fazendo uma cara para mim e eu outra para ele. Gozado.

Alguns anos mais tarde, num pôquer mais sério e mais caro, a mesma coisa. Quem levasse a mesa ouvia junto um tremendo “Cagão!”. Gozado.

Eu e ele frequentávamos o cine Royal, na Galeria Alaska, onde só passavam shorts e desenhos animados, inclusive da UPA, com Mr. Magoo e os da Warner, com Bugs Bunny.

Um dia instalaram numa loja da galeria a primeira máquina de espresso do Brasil. A gente comprava uma fichinha cor-de-rosa de papel e esperava o italiano dar as ordens para o companheiro: “Ancora un altro!”, que foi dos inúmeros bordões que trocamos com o passar dos anos. Gozado.

Cinema, muito cinema. Francis viu não sei quantas vezes O Gavião do Mar, do Errol Flynn. Quase juro que fosse seu filme predileto. Junto com o Robin Hood, do mesmo Flynn. Michael Curtiz? Diretor? Não vinha ao caso. Gozado.

E íamos a uma banca enorme na cidade, avenida Almirante Barroso, onde vivia chegando pocket-book novo. Feito a banca do Santos (toque, toque, toque) Dumont. O luxo de um Rex Stout novo. Gozado.

Em Nova York, séculos depois, no início dos anos 70, Stout deu entrevista dizendo que ia parar de escrever. Francis mandou uma longa e comovida carta para ele pedindo para, pelo amor de Deus, não fazer isso. Gozado.

Pouco antes de se chegar ao Lido, na avenida Copacabana, quase que subsolo, havia uma sinuca vagabunda, com no máximo três mesas. Jogamos muito lá. E naquela grandona, na Siqueira Campos, onde ficava a buate Balalaika.

Francis jogava direitinho. Mas gostava um pouco demais de dar tremenda varada nas bolas. Vivia perdendo, claro. Gozado.

Francis em casa lendo em voz alta sua crítica do filme Júlio César, esse sim não só do Marlon Brando, mas também do Joseph Mankiewickz. Dizem – ele inclusive – que foi sua primeira matéria publicada. Na Revista da Semana, do Hélio Fernandes, quase que juro. Gozado.

Nós sentados no tapete de sisal vermelho de meu apartamento no Leme escutando disco. Eu não aguentava mais de tanto por na vitrola Born in a trunk, com a Judy Garland, e a Frances Faye cantando I want to stay here, naquele LP duplo da Bethlehem com o Porgy and Bess completo. Gozado.

Vendo o sol nascer, em frente à Rodolfo Dantas, Francis confessando depois de um carteado: “O filme que mais me meteu medo foi I wake up screaming, com o Laird Cregar.” Gozado.

Eu tinha a assinatura do New York Review of Books. Ninguém mais. Tinha que ler e emprestar para Francis e Ênio Silveira. Gozado.

Um dos poucos elogios que Francis me fez na minha cara: “Você dirige muito bem.” Meio verdade. Gozado.

Os papagaios feitos com minha empregada alemã, que tinha sido minha nanny, e tanto Francis quanto Antonio Maria ou pegando dinheiro ou pagando os juros lá na porta dos fundos, para a Elsie não flagrar.

E os que empinamos juntos com o Zé Luís, no Banco Nacional. Gozado. Quase que juro que num pileque, sempre na praia, sol nascendo, Francis me batizou.

Nuns sábados morosos, a gente ia ou ao campo do Botafogo ou do Flamengo ver jogos sem graça contra o Bonsucesso ou o Madureira. Eu ficava perto da cerca xingando os jogadores. Francis ficava meio inquieto. “Olha isso aí, rapaz”, dizia ele. Gozado.

Francis empombou com um ponta esquerda mínimo do Flamengo, o Babá. Só se referia a ele como o “pequeno escroque Babá”. Gozado. Por que raios fomos ver Taras Bulba, com o Van Heflin, em Petrópolis? Gozado.

Em 1959, na revista Senhor, Francis namorava uma moça chamada Alcina, que vivia convidando ele para ir com ela à praia, em frente aonde ela morava, no posto 3 e meio. No bebedouro da editora Delta, travessa do Ouvidor, 22, Francis, de gozação, disse, “Intelectual não vai à praia”. Só. Gozado.

Em 1968, eu comecei a escrever uma tira em quadrinhos com o Jaguar, Os Chopnics. Na boca de um personagem intelectualmente pretensioso (passava-se em Ipanema), o BD, taquei lá no script a frase de Francis que durante anos me divertira. Mas ficava incompleto. Precisava de algo mais, uma “matada”, conforme se diz no metiê. Acrescentei, “Intelectual bebe”.

Como autor único, ficou anos com o Jaguar pelado e desnudando suas musas. Depois passou para o Francis, como o autor da frase completa. Gozado.

Francis era 5 anos mais velho do que eu. Agora eu sou 5 anos mais velho do que ele. Meus pulmões estão uma bosta, meus pés não querem me levar a parte alguma. Gozado.

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