segunda-feira, dezembro 27, 2010
ANTONINHA
W. J. Solha
Sobre uma pequena obra-prima de Laércio Ferreira, de que acabo de participar
Estava na última semana das filmagens de O Som ao Redor, do Kleber Mendonça Filho, no Recife, quando fui convidado pro teste que me levaria ao Era uma vez Verônica, do Marcelo Gomes, também pernambucano. E estava na última semana de Era uma vez Verônica, quando recebi ligação do produtor executivo Heleno Bernardo, convidando-me pro curta Antoninha, do Laércio Ferreira, a ser realizado no sítio Acauã, lá em Aparecida, a 400 km de João Pessoa.
- Heleno, eu não vou poder – respondi -. Estou catando cavaco, de tão cansado. Exausto. Os dois longas foram massacrantes.
Na verdade, havia isso e mais alguma coisa: depois da inesperada oportunidade de trabalhar com dois grandes cineastas, em dois excelentes filmes, ineditamente sobre a realidade urbana contemporânea nordestina, tendo chegado à conclusão que não há bom ator sem um script perfeito e um comando seguro, lançar-me na aventura de um curta tipo oxente, de um autor novo, seria risco demais, pois certamente botaria a perder tudo que a sorte incrível me dera nos últimos quatro meses.
- Solha, – Heleno me perguntou. – quando termina o filme do Marcelo?
- Dia 27.
- Pois então: o Antoninha começa apenas em 17 de dezembro. Você vai ter mais de uma quinzena pra dar uma boa relaxada e trabalhar co´a gente.
Meu raciocínio, com o celular no ouvido: conheço o Heleno desde A Canga, de 2001. É um cara decente pra burro e eficiente além da conta: não mete a mão em cumbuca. E havia outro fator: a reação mais do que possível e bastante plausível do Laércio e do resto do pessoal de Aparecida, ante minha recusa: “O cara, agora, tá de salto alto. Fez dois longas no Recife, e tal e coisa...”
- Me faz um favor, Heleno: mande-me o roteiro por e-mail. Se for bom, topo.
Cheguei em João Pessoa arrebentado. Recebi o roteiro e, apesar da estafa, achei-o... gostoso. Passível de discussões, mas verdadeiramente provocador. Mas... “Heleno, acho que esse coronel deveria ser interpretado por alguém mais moço. Vou entrar nos 70 em 2011, cara...” E ele: “Você está firme, a voz clara, não tem problema”.
Bem, e havia, a considerar, que a fotografia seria de João Carlos Beltrão. E que Marcélia Cartaxo e Nanego Lyra estariam no elenco.
- OK, Heleno. Vamos ao Antoninha.
Recebo ligação do Dowling:
- O episódio-piloto de A Arte e a Maneira de Pedir aumento ao Chefe vai ser rodado agora, de 13 a 15 de dezembro.
Dei um tapa na testa, fechando os olhos com força:
- Carlinhos, pensei que isso fosse coisa pro ano que vem, cara. Na manhã de 16 vou ter de pegar um estradão brabo pra trabalhar num curta lá em Aparecida, pras bandas de Sousa...
Mas não poderia me recusar a ele: além do meu respeito pelo seu trabalho experimental, havia o fato de que Dowling fora o encarregado dos testes para Era uma vez Verônica e, mesmo sem que eu comparecesse pra fazer o meu com ele, em João Pessoa - pois estava fazendo laboratório intenso com Pedro Freire pro filme do Kléber -, ele me recomendara ao Marcelo com tal ênfase, que acabei por fazê-lo lá mesmo, em Recife.
- OK, Carlinhos.
Assim, eu estava com dois textos pra decorar, dois personagens para estudar: um, do passado – o de Laércio -, outro do futuro - o de Dowling -depois de ter vivido intensamente o presente nos filmes pernambucanos. Mas a linguagem do Arte e Maneira de Pedir Aumento ao Chefe é terrível pra ser gravada na memória e, pior ainda, interpretada. Só uma pequena amostra:
- Não abra a porta! Prefiro o contato teleológico, via nossos receptores e emissores auriculares e visuais. Garante eficâcia e transparência no trato superior-funcional.
Resultado: descanso zero.
Viajei pro sertão no dia 16, às sete e meia da manhã, caindo pelas tabelas. Terminara minha última fala do episódio de Dowling às 3 da manhã, na biblioteca da UFPB, onde fora montada minha sala HItec pelo enorme artista plástico que é o Shiko, na qual me vi cercado de monitores, um deles tomando todo o tampo de meu birô, e em que eu assistia aos movimentos de várias salas e da minha secretária, a Srta. K. com quem dialogava. Corre-corre, vários atrasos, em muitas cenas minha participação acabou sendo somente a da voz, pelo que brinquei:
- Depois dessa vou mudar meu nome artístico para Bóris Karl-off.
Além de Marcélia e Nanego, contracenei com três neófitos cinematográficos locais, em Acauã: Mércia Maria Barbosa que fez o papel de minha esposa; Ágatha Barbosa, filha dela, que fez Antoninha; e Marcus Barbosa - irmão de Mércia Maria, tio de Ágatha - que fez o Padre. A Paraíba ganhou três ótimos atores consanguíneos, com o curta. E tudo no vapt-vupt. Cheguei ao set, Marcélia nos perguntou :“Vamos bater o texto?” Resquícios de teatro, em Mércia e Marcus, ficaram evidentes. Mas bastou que se dissesse:
- Vamo-nos soltar do roteiro e transformar os diálogos em bate-papo. Esqueçam todas as pessoas que estão ao nosso redor – ensinou Marcélia.
- ... E falem COMIGO – eu disse - de modo que apenas eu os ouça.
- Lembrem-se de que terão microfones de lapela que transmitirão até seus sussurros e respirações.
- Marcus: aproxime-se mais de mim. Aqui, no tête-à-tête. Mais.
A transformação deles foi tão evidente quanto imediata, e foi muito bom vê-los muito felizes com isso.
- Ágatha – observei, em certo momento, - você está fazendo que está olhando para trás e para os lados, cautelosa, mas estou vendo que na verdade não está olhando nada. Olhe de veras. O foco da visão muda de quando você de fato vasculha algo a dez metros, para outra coisa, a trinta. Tá vendo aquela furna no mato, do outro lado do poço? Olhe mesmo pro buraco. Agora olhe aqui, à direita, praquela touceira ali. Verifique, mesmo, se não há ninguém escondido lá. Percebe a diferença?
- Hã-ham.
Bastou esses toques – de Marcélia e meus - pra que os três se revelassem, porque já estavam na iminência da “descoberta” do que é o ator de cinema. O Marcus foi notável como o padre que me pede uma conversa em sigilo. Mércia Maria foi fabulosa, no que comenta, com voz preocupada, mas casual, a situação comigo no alpendre, ou dá instruções pra Antoninha, na hora do café. Ágatha soltou toda a sua malícia – deflagradora da história - no que passa a agir , mefistofélica, na casa grande, colonial, e em seu casebre de taipa.
Aí foi que tomei, finalmente, gosto total pelo filme. Coisa em que pesou, também, claro, o capricho da cúpula realizadora em cada detalhe, discutido intensamente pelo Laércio, pelo João e por Cristiane Fragoso – a assistente de direção -, e Marcélia, preparadora do elenco.
Em cinco dias de trabalho, em tensas e cansativas jornadas que começavam às 5 e meia da manhã e iam, em alguns dias, até às onze da noite, terminamos o filme. Quando tive de repetir minha última participação, já bastante tarde, percebi - com a faixa abdominal me ajudando a suportar a dor na coluna – que estava, já, por um fio. Se tivesse de fazer mais alguma coisa, me desmantelaria.
Resta, agora, a segunda parte da realização: a edição, a montagem. Mas pelo que vivi no sítio Acauã, de que já sinto enorme saudade, lá em Aparecida, no alto sertão paraibano, sinto que participei de uma pequena obra-prima: Antoninha. Oxente: por que não? (27-12-2010)
Escritor, dramaturgo, ator e poeta.
wjsolha@superig.com.br
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2 comentários:
Obrigado, Hugo. Todo texto meu, quando aparece no seu blog, parece vestir smoking. Existe algo especial, nele.
Solha
Puxa que trabalheira mais prazeirosa essa de fazer cinema.
Isso me leva aos dois curtas que participei em super oito "Missa do Vaqueiro" e "Good Old Times".
Que bom que você fez Antoninha.
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