segunda-feira, novembro 15, 2010

"O Brasil não é uma república de fato"

Deu no Diário de Pernambuco - 15-11-2010

No dia em que o Brasil relembra os 121 anos da queda da monarquia, o príncipe João Henrique de Orléans e Bragança (na foto) fala sobre ética e mulheres no poder.

Dom João Henrique de Orléans e Bragança, popularmente conhecido como Dom Joãozinho, príncipe de Orléans e Bragança, é um fotógrafo e empresário brasileiro. Filho de D. João Maria de Orléans e Bragança, ( foi Major da Força Aérea Brasileira e vice-presidente da extinta Panair do Brasil, a quem todos nós em serviço, também chamávamos carinhosamente D.Joãozinho) e da princesa egípcia, Fátima Scherifa Chirine. Pertencente ao ramo de Petrópolis da família imperial brasileira, João Henrique é neto de D. Pedro de Alcântara de Orléans e Bragança, que, à 30 de outubro de 1908, abdicou dos seus direitos, por si e por sua futura descendência, ao extinto trono imperial brasileiro.

João Henrique é bisneto da última princesa imperial do Brasil, D. Isabel de Bragança e do príncipe Gastão de Orléans, conde d'Eu, trineto do último imperador do Brasil, Dom Pedro II, e tetraneto do imperador Dom Pedro I.

Nos documentos de identidade, seu nome consta como Príncipe Dom João Henrique de Orleans e Bragança.

Em 2008, numa entrevista à Folha de São Paulo, em comemoração aos duzentos anos da vinda da Família Real e da Corte portuguesa para o Brasil, D. João Henrique se declarou republicano:

"Sou republicano como as monarquias europeias, que defendem ideais como imprensa livre, parlamento e democracia."

O Brasil elegeu uma mulher de esquerda como sua primeira presidente. Este fato representa um amadurecimento da democracia no país?

- Uma questão é certa: o resultado dessa eleição presidencial mostrou que, no Brasil, não há um forte preconceito contra as mulheres. A eleição da primeira presidente foi positiva para a sociedade como um todo, pois mostra que ambos os sexos, desde que exista capacidade e preparação, podem ser eleitos democraticamente para gerir um país como o nosso.

Agora, as pessoas não sabem que a imperatriz Leopoldina, esposa de d. Pedro I, foi a primeira mulher que chegou a exercer a chefia do estado no país. A princesa Isabel, tempos mais tarde, repetiu o exemplo e libertou os escravos, em 1888.

Passados 121 anos do fim da monarquia, qual a sua opinião sobre o conceito de república no Brasil atual?

- Res publica, de acordo com a origem do termo, significa respeito ao patrimônio público. Você acha republicano chamar ladrões de aloprados? Você acha republicano ter no quadro político mensaleiros declarados? Se a população parar e refletir, vai chegar à conclusão que esse sistema está em crise.

A corrupção tomou conta do governo. Os mensaleiros, por exemplo, estão todos soltos. Me diga um que esteja na cadeia? Nenhum.

Mas eles não são os únicos aproveitadores da máquina pública. E os coronéis nordestinos, que depois de tantos anos, tantas notícias na mídia, ainda continuam se elegendo e formando um forte grupo dentro do Congresso e nos estados?

É, por isso, que eu digo que o Brasil não é uma república. República é sinônimo de justiça, igualdade e cidadania. As monarquias da Suécia e Noruega são profundamente republicanas porque respeitam esses valores. Nesses países, o banqueiro frequenta o mesmo restaurante que um bancário. Por isso que eu digo que sou profundamente republicano.

Então, o Brasil precisa adotar o parlamentarismo e a monarquia numa possível reforma política?

- Monarquia e república são sistemas políticos que funcionam bem em muitos lugares do mundo, os dois. No Brasil, a república começou nas mãos das elites insatisfeitas com a libertação dos escravos e com os militares com sede de poder. Ou seja, foi um sistema que já nasceu excludente e opressor.

Antes de tudo, o que eu defendo hoje é o parlamentarismo. Mas, claro que não se muda um sistema político de uma hora para outra. Primeiro, o país deve se adaptar ao parlamentarismo. Depois dele implantado, é que vem a hora de decidir se vai funcionar com parlamentarismo republicano ou monárquico.

É a partir do parlamentarismo que poderemos ter uma política mais saudável do ponto de vista ético. Tudo isso deve ser pensado e debatido. Pois, não somos de fato uma república, pois ser republicano não é fazer conchavos eleitorais, nem dizer que em Cuba não existem prisioneiros políticos.

Muitos membros da realeza, em todo o mundo, se casam com parentes da própria nobreza, como duques e príncipes. Você acredita que esse tipo de casamento afasta a monarquia da realidade das classes populares?

- A rainha da Inglaterra tem parentes em casas reais na Alemanha, na Espanha e França. O mesmo acontece com os membros da família real da Espanha, que, por sua vez, têm parentesco direto com casas reais da Grécia, por exemplo. E isso não impede que essas pessoas sejam altamente populares em seus países.

O próprio d. Pedro II, no século 19, tinha como um dos parentes o rei de Portugal. Agora, me diga se existiu uma pessoa mais brasileira que ele? O nosso imperador falava tupi e guarani, percorria esse país de Norte a Sul. Eu mesmo viajo por todo o Brasil e as pessoas vêm me contar relatos dessa brasilidade de d. Pedro II.

Ele fazia questão de ir pessoalmente às escolas para ver como andavam as condições de ensino, abria cadernetas de frequência, procurava saber com o professor por que aquele estudante estava faltando às aulas. Não existia esse afastamento, o imperador era, antes de tudo, o chefe do país.

Se havia essa aproximação de d. Pedro II com a população, por que ele e a família imperial seguiram para o exílio na Europa quase 24 horas após a Proclamação da República?

- O que havia era o medo da popularidade de d. Pedro II. A família imperial do Brasil, aí já falo dos descendentes do imperador, foi a protagonista do maior exílio da história do país. Foram mais de 30 anos de exílio, entre os anos de 1889 a 1922.

Os governos republicanos que sucederam ao primeiro presidente, o Marechal Deodoro, tinham medo da relação da princesa Isabel com os escravos. Ao contrário de muitos políticos de hoje, d. Pedro II morreu pobre num hotel de Paris, em 1891, e documentos comprovam isso.

Assim que o golpe da República foi consumado, o governo provisório ofereceu uma pensão ao imperador. Ele se recusou a receber e disse: "Como eu posso aceitar dinheiro do Brasil sem estar servindo ao meu país?". Me diga qual político hoje negaria uma pensão do Estado?

É isso que falta hoje no sistema republicano. As pessoas se aproveitam de cargos públicos para satisfazer desejos pessoais ou mesmo praticar atos ilícitos. Democracia é você saber ouvir o outro, debater. E d. Pedro II fez isso muito bem.

Uma das provas é que ele coordenou o maior número de ministérios da história do país, em 49 anos de reinado, com debate público. Se você analisar esse período de governo, vai notar que os liberais e conservadores passaram quase o mesmo tempo no poder.

Isso nós não temos hoje, que é formar um estado democrático, com alternância de pensamento e ideologias no poder. Só conseguimos isso com muito diálogo. Infelizmente, parece que essa qualidade anda faltando em nossos quadros políticos.

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