quarta-feira, novembro 17, 2010

NORDESTE – SEPARAR OU MORRER

Bem a propósito o assunto que, como se vê, continua em voga. Andei navegando pela Net e descobri para meu espanto que não só existe aquela mal amada paulista a nos querer afogar. Existe um manicômio inteiro. De vez em quando me acometem uns certos pruridos separatistas. Leiam o que encontrei nos meus arquivos implacáveis. Garanto que não é birra nordestina. É a mais pura e cristalina verdade. O artigo foi publicado no "O JORNAL DA SEMANA" (já extinto) em 14 de agosto de 1983. Não há registro sobre o nome do autor. HC

NORDESTE – SEPARAR OU MORRER


Definitivamente, o Nordeste cansou. Já não é tempo de paliativos. Já não é tempo de remendos. Agora é hora de decisão. Ou agora ou nunca. Ou o Nordeste levanta a cabeça e, desaforadamente, diz que não está afim de viver esmolas, ou permanecerão montados eternamente no pescoço dos nordestinos. O que está acontecendo é um verdadeiro escárnio. Intolerável provocação. Aureliano, o presidente do dia, veio ao Nordeste. Ver a fome. E dar uma esmola de cento e trinta e dois bilhões de cruzeiros. Que, inclusive, seguindo o costume, não chegarão ao destino. E na hora em que salta do confortável avião, em Brasília, concorda que “seu” ministro do planejamento corte todas as verbas destinadas à barragem de Sobradinho condenando seis mil trabalhadores nordestinos ao desemprego e, por via de conseqüência, cerca de trinta mil famílias a mais fome a mais miséria. E as lágrimas que, na véspera, chorara no colo de uma menina que às três horas da tarde ainda não havia comido nada? Lágrimas de crocodilo? Não dá mais para o Nordeste viver gratificando o superego de dirigentes que não têm a exata compreensão de suas tarefas. O Nordeste não precisa de esmolas. O Nordeste carece de soluções definitivas para seus eternos problemas. Soluções que nada têm de milagres. Que estão se mostrando eficientes em várias partes do mundo. O Nordeste tem que se conscientizar de sua importância e partir para soluções imediatas. Que não vêm de Brasília. Porque não vieram do Rio de Janeiro sede do vice-reino, que não vieram do Rio de Janeiro sede do império, que não vieram do Rio de Janeiro Capital da República. Como os homens do poder, do centro e do sul, só se lembram do Nordeste para mandar esmolas, é hora de mandar todos às favas. É tempo de partirmos para nosso país autônomo. Que os homens da política meditem: ou separar o Norte e o Nordeste do resto do país ou se condenar à eternamente viver das sobras dos banquetes do sul. Ou romper ou perecer.

O nordestino se acostumou a regar com o próprio sangue a semente da liberdade, a partir do exemplo de Manoel Bequimão. E o arroubo de Bernardo Vieira de Melo escreveu o primeiro verso de uma epopéia de libertação. Brancos, pretos, índios e mulatos não mediram esforços pra construir nossa nacionalidade. Hoje os homens que se assentam em cima das burras do país resolveram que a liberdade adquirida, a independência conseguida têm que ser sempre relativas. Isso porque a miséria está nos condenando à subserviência. Para viver, temos que depender de esmolas. Não dá mais para tolerar.

Aureliano veio ao Nordeste para ver a fome. Havia necessidade disso? Se ele, que foi governador de um estado incluído no polígono das secas, não sabe a dor das conseqüências da seca, no mínimo é um despreparado que assumiu o comando de uma nau sem conhecer os detalhes de sua embarcação. Não. Ele não veio ver fome, porque, aliás, fome não se vê. Ele veio se servir da fome dos nordestinos para exaltar as aparências de sua condição de presidente da república. E mais: veio aqui para solidificar uma imagem. Imagem que lhe é muito necessária às suas pretensões de candidato a presidente da república. Ele veio aqui capitalizar. E com isso dançar em cima de nossa miséria. É tempo de repelirmos essa afronta. Nós temos problemas e não queremos esmolas. Nós temos problemas e exigimos soluções. E a melhor solução, que já vem fora de tempo, é enxotar de nossa paisagem humana esses que nos vivem exclusivamente a sugar. Negando-nos pão e água. E achando que se realizam em nos dar esmolas na hora em que o clamor é muito grande. E na hora em que lhes convém aparecer como messias de meia tigela. Não temos porque pedir esmolas. Temos de construir nossa independência. Temos que nos libertar do jugo dos homens do planalto. Não temos necessidade de viver de pires na mão... País independente é ter petróleo? Nós temos. Bahia, Sergipe, Alagoas e Rio Grande do Norte, juntos produzem todo o petróleo que é consumido pelo Nordeste. E porque o sul consome “a mais” nós temos de nos sacrificar para pagar as contas de petróleo dos felizardos irmãos do sul... Isso é vergonhoso. E intolerável.

Energia nós temos à bastança. Paulo Afonso à frente, não precisamos de energia do sul. E na hora em que seguirmos o exemplo de nossos irmãos de Israel ou mesmo dos Estados Unidos, fertilizando as terras desérticas de nossos sertões, seremos autônomos totalmente em produtos agrícolas. Como temos, Norte e Nordeste, todo o peixe necessário à nossa suplementação protéica. E mais: se um país se constrói principalmente em cima de suas tradições culturais, é no Nordeste que estão as raízes culturais do Brasil do fandango e do bumba-meu-boi. Se temos tudo isso, por que não ter a coragem de romper com os que nos agrilhoam ?

Homens e nomes também nós temos à bastança. Na terra de Celso Furtado e Teotônio Vilela, de Roberto Magalhães e Rubens Vaz da Costa, de Antônio Carlos Magalhães e Aloísio Alves, de Marco Maciel e Virgílio Távora, homens nós temos com capacidade até em excesso para tocar o nosso barco. Homens e nomes. Nomes e bandeiras. Como Gilberto Freyre e Jorge Amado, Raquel de Queiroz e Ariano Suassuna. Se temos terra, gente forte e nomes de valor por que viver a mendigar ?

Não é mais tempo de contemporizar. É hora de agir. E de banir os grilhões. É hora e vez de liberdade. Liberdade com progresso. Liberdade com perspectivas. Por respeito aos heróis do Maranhão de Beckman, aos vitoriosos dos Montes Guararapes, fazendo eco ao brado heróico de Bernardo Vieira de Melo, aos homens de 1817 e 1824, pela memória de quantos morreram para consolidar a independência e a república, é hora de romper. Ou o Norte e o nordeste se separam do Brasil, ou serão condenados eternamente à escravidão. Que, por intolerável, tem que ser banida já. “Uma república idêntica à de Veneza”. Talvez não muito próxima dos sonhos de Platão ou Thomas Morus. Mas uma república onde os nordestinos sejam tidos e havidos como gente. Onde haja pelo menos a possibilidade de esperar. Esperar por dias melhores. Que venham, exatamente, gratificar o talento e a coragem daqueles que, até hoje, só serviram para enriquecer os outros. Os homens do poder.

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