quarta-feira, novembro 17, 2010

A felicidade, seus ângulos e circunstâncias

José Virgolino de Alencar

A felicidade pode ser vista ou sentida sob diversos ângulos, circunstâncias ou perspectivas. Se estamos com saúde, fisicamente perfeitos, podemos sentir a sensação de felicidade. Sob o efeito do amor, podemos também ver e sentir a felicidade. O amor, a paixão não doentia, causa estado de felicidade.

Pelo lado do dinheiro, pode-se considerar que há felicidade, não pelo vil metal em si, mas pelo que ele pode proporcionar de bom, de agradável, inclusive porque o dinheiro pode permitir saúde, pode permitir paz no amor Embora ele não seja o móvel essencial da felicidade, a sua falta, convenhamos, torna difícil o usufruto do estado de felicidade. Mas não impossível, como veremos à frente.

A realização profissional, mesmo não rendendo somas financeiras, proporciona a felicidade de se ver e se ter a sua criação, seja artística, literária, profissional, reconhecida, aceita, elogiada, decantada.

São muitas as vertentes por onde podemos ver, sentir, observar e entender esse sentimento que faz alma e espírito vibrarem em euforia, até em êxtase, ás vezes.

Mas, alcançar a essência da felicidade, encontrar a prova real de que um ser humano é ou está feliz, é um desafio tanto científico, medido em quantidades ou qualidades inteligíveis, como filosófico, onde o sentir está fora do alcance do ver, não é uma questão de ver para crer, mas simplesmente de crer a partir de observações que dêem base para a tese e para a definição de felicidade

O que é, então, a felicidade, o que será e como será uma pessoa feliz?

A filosofia nos oferece pistas que constroem um processo de entendimento do que seja felicidade, um processo robusto de provas, testemunhos, ocorrências e episódios da vida de uma pessoa que se encaixam na definição de um estado de felicidade.

A explicação filosófica da felicidade é a explicação da própria filosofia. A filosofia só encontra sentido na busca dos caminhos que possam tornar a humanidade feliz – “o ofício da filosofia é serenar as tempestades da alma”, ensina Montaigne, filósofo francês, citado por Guto Lacaz, em reportagem sob o título “Felicidade”.

Também lembrado por Lacaz, o filósofo Boécio, rico, inteligente, poderoso em sua época, foi condenado à morte pelo imperador de então. Enquanto aguardava a execução, leu bastante, principalmente obras de filosofia, como forma de enfrentar o suplício. Mesmo nas precárias condições da prisão, Boécio escreveu “A Consolação da Filosofia” e na obra ensinou que “a felicidade pode entrar em toda parte se suportamos tudo sem queixas”.

Boécio mostra que a filosofia consola, ensina, inspira, podendo tornar a pessoa feliz até na adversidade. Boécio, perdôem-me o infame trocadilho, não foi um mero beócio. Aprendeu na dor, dando um exemplo de reversão do cruel sofrimento, a vida numa prisão, em momentos de felicidade.

Aceitar os tropeços, entender que eles são inevitáveis, pode tornar a vida feliz ou menos infeliz. Segundo nos ensina o Professor Doutor Flamarion Tavares Leite, em sua obra “Manual de Filosofia Geral e Jurídica – Das Origens a Kant” (Editora Forense – 2006), é o que assegura Zenão, o de Citio, ou Chipre, filósofo fundador da escola estóica, defendendo que o ser humano abandone as paixões terrenas e as desilusões, sem alimentar falsas esperanças, conformando-se com a vida de acordo consigo mesmo ou com a natureza. Para Zenão, viver de acordo com a natureza significa viver de acordo com a razão, logo, não há motivo para sofrimento pelas intempéries naturais, e, em não havendo motivo para sofrer, sobrava motivo para ser feliz.

Outro conceito de felicidade está no pensamento de Horácio, seguidor da filosofia epicurista, erroneamente traduzida como defensora da vida frívola, quando na verdade Epicuro buscava controlar as ambições e os desejos, em prol de uma vida simples, onde estaria a felicidade.

Nessa linha, recomenda Horácio que se curta o dia de hoje, que se viva com o que se tem agora. De outra perspectiva, Virgilio defende que a felicidade está no hoje e no futuro e é dele a lição de que se deve pensar no amanhã, nas gerações pósteras.

Mas que seja sem ambições, sem renegar ou revelar inconformismo com o hoje, sentindo-se infeliz no momento, na ilusão de que o futuro virá mais sorridente, mais florido, trazendo a felicidade.

Tema complexo? Sim. Reflexivo? Sim. Contudo, a felicidade, pelo menos no sentido de bem-estar, independentemente de saúde completa, de paixão profunda e de riqueza imensa, pode ser sentida, segundo pode se ver consubstanciado na filosofia.

E para isso não se faz necessário que sejamos filósofos. Basta pensar, refletir, ponderar e curtir, cada um, o seu ser e o seu ter.

E não ter medo de ser feliz.

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