quarta-feira, outubro 06, 2010

As cinzas do mercado da arte contemporânea

Plínio Palhano

Como se sabe, o Impressionismo foi um dos movimentos revolucionários no âmbito da estética que mudaram o olhar das pessoas sobre as artes plásticas, antecedendo a explosão que foi o início do século XX, com a força de individualidades artísticas que deixaram suas marcas e seus nomes para sempre nos anais da História da Arte, concretizando, no mundo, a intensa velocidade de movimentos, ideias e obras. Isso se deu também paralelamente a um fortalecimento do mercado de arte desbravado por pioneiros mercadores especialistas no assunto, que conseguiram divulgar essas obras e esses artistas entre os colecionadores europeus e norte-americanos que investiram boa parte de seu dinheiro para formar pinacotecas importantes. O valor para adquirir uma obra de arte incluía sempre a aposta nos novos artistas que despontavam no cenário internacional, na qualidade técnica de seus autores, na inovação estética que proporcionavam e na consolidação em sua participação nas vanguardas; as obras eram eleitas, principalmente, pelo gosto estético, além do natural investimento. O olhar desses colecionadores rendeu frutos em lucros realmente estupendos para eles próprios e os marchands, que conseguiram enriquecer os seus patrimônios multiplicando os acervos para o circuito no mercado de arte, com os nomes consolidados no meio artístico.

Desde a década de 1970, o mercado de arte internacional se tornou muito mais complexo, envolvendo o interesse publicitário de megainvestidores, os grandes patrocinadores corporativos, o Estado, as academias de arte, os conceitos de pensadores influentes, o jornalismo cultural, os curadores, os marchands, os galeristas e, por fim, o artista, que, nesse sistema, ou nessa rede — como chamam alguns teóricos — tornou-se apenas mais um no contexto, com pouca importância dentro da estratégia de marketing e de milhares de dólares. A esse novo panorama, deram um título que permanece: arte contemporânea, termo criado pela casa Christie’s para diferenciar, em seus leilões, as obras modernistas e as atuais e que foi incorporado pelos teóricos então vigentes que sustentam o sistema e virou uma espécie de grife, uma distinção para aqueles que repetem esse mantra, como se não se precisasse dizer mais nada, porque o seu nome já é um selo. Uma World Art, que se integra num estilo internacionalizado, em que não se distinguem as várias culturas do planeta: todos falam a mesma linguagem artística, e ai daquele que discutir essa uniformidade de ideias. O que um curador dessa rede pensa no Nordeste do Brasil é o pensamento de um do Sudeste, de outros de países latino-americanos ou estadunidenses, europeus, asiáticos, orientais ou africanos. Não há distinção. Tudo isso lembra a pesquisa que Frances Stornor Saunders realizou em seu livro Quem pagou a conta?, em que aponta a interferência da CIA na cultura durante a Guerra Fria, em âmbito internacional, financiando artistas e pensadores para defender a liberdade cultural contra as investidas culturais dos países comunistas. Ou o que aborda o jornalista Luciano Trigo em A grande feira — uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea, com fundamento e seriedade, sobre o capitalismo desenfreado como uma estratégia infalível de dominação cultural e de mercado.

O jogo que se critica na arte contemporânea, além da especulação no mercado de arte, que já estourou bolhas e forma outras irreversíveis, é a história de se ter apenas uma ideia para se construir uma obra de arte — como diz Ferreira Gullar, com fina ironia, a “boa ideia 51”; no mais, os valores artesanais, a concepção, as marcas e a agudeza do autor, nada disso importa na rede, o importante para o artista é se integrar — a partir do seu município — ao sistema internacionalizado, e este lhe dará a resposta condizente. Fora desse caminho, no conceito dessa rede, não há salvação. Quando os artistas se rebelaram contra o mercado de arte com obras contestatórias na década de 1960, no Brasil, existia uma proposta definida e uma estratégia política; hoje, essa rebeldia reapropriada se tornou oficial e bancada pela estrutura do próprio mercado de arte, isto é, a falsa rebeldia se institucionalizou. Ainda bem que atualmente, no mundo, há vários pensadores que se insurgem contra essa ordem internacional e dizem, em livros e artigos, o que pensam, não temendo as represálias dos que lucram fortunas com esse sistema ou aqueles que, por desconhecimento ou ingenuidade, defendem o indefensável. Em nosso país, além do crítico e poeta Ferreira Gullar e do escritor Luciano Trigo, temos o poeta Afonso Romano de Sant’anna — esses escreveram obras fundamentais para entender o novo processo. Cabe ao leitor julgar os conceitos e fatos, lendo-as.

Plínio Palhano é Artista Plástico
ppalhano@hotlink.com.br

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