Historiador sustenta que Independência do Brasil foi proclamada em 1 de agosto, no Rio. Uma das mais inspiradas frases de nosso ane-dotário contemporâneo diz que, no Brasil, “até o passado é imprevisível”. Não à toa, biografias imaculadas se desvirtuam, em especial nesses meses antes das eleições. Historiadores obstinados como Nireu Cavalcanti também se deparam, eventualmente, com revelações súbitas. Como esta que, dez dias passados do 7 de setembro, a Página Móvel — irmanada à seção História apresenta, na forma de uma tese em tintas de crônica: segundo as pesquisas exaustivas de Nireu, a Independência foi declarada em 1 de agosto, no Rio, e não na data que aprendemos na escola e comemoramos anualmente com paradas e esquadrilhas. Isso não quer dizer que o grito do Ipiranga não tenha existido, ou tenha sido uma farsa. Foi, contudo, nas palavras de Nireu, apenas um ato simbólico, para “acalmar os paulistas”. Senhores: estão abertos os debates. (Arnaldo Bloch)
Nireu Cavalcanti
A leitura de documentos primários referentes à História do Brasil é prazerosa, como se estivéssemos vivendo aquele tempo, compartilhando a experiência. Inclusive a surpresa, quando os documentos são comparados com versões vigentes. Foi o que aconteceu quando, em recente pesquisa, eu lia e analisava os fatos que levaram à Independência do Brasil, no decorrer dos anos de 1821 e 1822 e concluí que a Declaração de
Independência aconteceu em 1 de agosto, no Palácio do Rio de Janeiro, e não em 7 de setembro, em São Paulo, “às margens plácidas do Ipiranga”. Usei três fontes: o Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa; a
coleção de Leis brasileiras para o período; e os jornais brasileiros da época.
Vamos lá. Em agosto de 1820 eclodiu a revolução dos liberais de Portugal que, no entanto, não destituíram o rei D. João VI. Mas, com o advento do Congresso Constituinte, que desenvolveria o esboço de constituição liberal, aprovado em 10 de março de 1821, D. João passou a ser titulado como Rei Constitucional e mero
assinante dos atos promulgados pelos revoltosos. Coagido, teve que jurar fidelidade à constituição a ser elaborada pelas “Cortes Gerais Extraordinárias”, legitimando o processo revolucionário e sua própria expulsão. Mas, em vez de deixar no Brasil uma Junta, como fora ordenado, deixou o seu filho D. Pedro como regente do Reino do Brasil, intimado pelas Cortes a também regressar a Portugal com a família. Os moradores e autoridades civis, militares e eclesiásticas do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo reagiram, o que resultou no famoso dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822, para “bem de todos e felicidade geral da nação...”, e todos aclamaram:“Viva a Religião, Viva a Constituição, Vivam as Cortes, Viva El Rei constitucional e Viva a
união de Portugal com o Brasil”!
Valente, D. Pedro conseguiu anular a reação das tropas portuguesas no Rio e convencê-las a regressarem para Portugal, sem derramamento de sangue. Jurou fidelidade a todos, inclusive à pauta liberal: afinal, ele era um deles.
Em resposta à reação imediata da Regência e dos constituintes portugueses que, na moita, baixaram normas que pulverizavam o poder central do Rio de Janeiro entre as províncias, fazendo com que o Brasil, na prática, voltasse à condição de colônia — D. Pedro convocou eleições (3/6/1822), em cada província, rompendo com as Cortes. As que não apoiavam D. Pedro, como Bahia, Maranhão, Pará, Piauí, Goiás, Mato Grosso,
Ceará etc. se negaram a eleger seus deputados.
Finalmente, em primeiro de agosto de 1822, D. Pedro assume a proposta política de Independência do Brasil. Com o título “Manifesto de S. A. R. o Príncipe Regente Constitucional e Defensor Perpétuo do Reino do Brasil, aos Povos deste Reino”, o regente, após uma introdução contextualizando as razões do rompimento com as Cortes e com o Reino de Portugal, declara:
Acordemos pois, Generosos Habitantes deste Vasto e poderoso Império, está dado o grande passo da Vossa Independência, e felicidade a tantos tempos preconizada pelos grandes Políticos da Europa. Já sois um Povo Soberano; já entrastes na grande Sociedade das Nações independentes, a que tinheis todo o direito. A Honra e Dignidade Nacional, os desejos de ser venturosos, a voz da mesma Natureza mandam que as Colônias deixem de ser Colônias, quando chegam à sua virilidade, e ainda que tratados como Colônias não o éreis realmente, e até por fim éreis um Reino. (...)
O Manifesto, após essa declaração de independência, contém o plano de governo de D. Pedro para o Brasil e é concluído com a convocação aos “brasileiros em geral” para que se unissem em torno da causa da Independência e confiassem nele, na marcha da “prosperidade do Brasil”.
D. Pedro assegura que estará a frente de todos, enfrentando os maiores perigos e que “A Minha Felicidade (convencei-vos) existe na vossa felicidade. É Minha Glória Reger um Povo brioso e livre”.
No mesmo dia primeiro de agosto D. Pedro declara inimigas as Tropas mandadas de Portugal para atacarem o Brasil e conclama a todos a resistirem com armas nas mãos a esses inimigos. Orienta os que não tivessem forças necessárias para enfrentá-las em guerra tradicional que usassem o método da guerrilha e se afastassem dos núcleos urbanos costeiros levando todo mantimento e animais que pudessem alimentar os inimigos.
Em outubro o brigadeiro Madeira informa às Cortes que restava fiel ao governo português, na Bahia, apenas Salvador.
Poucos dias após (6/8/1822), é divulgado o Manifesto às nações que tinham relações políticas e comerciais com o Brasil pedindo apoio a sua independência esperando que os homens sábios eimparciais de todo o Mundo, e que os
Governos e Nações Amigas do Brasil hajam de fazer justiça à decisão brasileira. D. Pedro convida-os a “continuarem com o Reino do Brasil as mesmas relações de mútuo interesse e amizade”.
Esses documentos, principalmente o Manifesto aos povos do Brasil, foram encaminhados aos governos civil e militar de todas as províncias. Podemos constatar isso na circular de José Bonifácio à Câmara da vila de Porto Seguro, datada de 7 de agosto de 1822.
Também foram divulgados através de sua publicação nos jornais da época, por exemplo, o Diário do Rio deJaneiro, consultado. Esse jornal publicou as iniciativas da sociedade de recolhimento de doações para o governo arcar com as despesas da guerra iminente.
D. Pedro então teve que viajar para São Paulo, a fim de acalmar os ânimos dos paulistas, revoltados com a manobra de José Bonifácio e de seu irmão Martim Francisco, destituindo dois membros da Junta do Governo Civil, queridos pela população, e substituí-los por seus apadrinhados. D. Pedro anulou essas nomeações.
Partiu do Rio de Janeiro em 14 de agosto. Nessas viagens, o rei ou o príncipe era acompanhado de guarda de
honra formada por autoridades engalanadas que ofereciam ao monarca o que de melhor possuíam de montaria, viaturas, roupa e alimentos.
Ao se aproximar de uma vila ou cidade, a comitiva parava para que a delegação daquele lugar viesse receber o monarca e substituir a guarda. Por isso, D. Pedro e sua comitiva pararam na região do Rio Ipiranga, próximo à cidade de São Paulo. Nesse momento, o oficial que viera portando documentos para D. Pedro e o funcionário do correio se encontraram com a comitiva e entregaram cartas da princesa Leopoldina, narrando os fatos sobre as Cortes de Lisboa e a agitação da cidade do Rio de Janeiro.
Foi esse o momento ideal para que D. Pedro, no dia 7 de setembro, marcasse e referendasse a Independência já proclamada, em território paulista. Esse discurso simbólico pode ser lido na Proclamação aos paulistas datada do dia 8 seguinte.
Honrados Paulistanos: o amor que Eu consagro ao Brasil em geral, e à vossa Província em particular, por ser aquela, que perante Mim e o Mundo inteiro fez conhecer primeiro que todos o sistema maquiavélico,
desorganizador e faccioso das Cortes de Lisboa, Me obrigou a vir entre vós fazer consolidar a fraternal união e tranquilidade, que vacilava e era ameaçada por desorganizadores, que em breve conhecereis. (...) Eu vos Asseguro que cousa nenhuma Me poderia ser mais sensível do que o golpe que Minha Alma sofre, separando-Me de Meus Amigos Paulistanos A Divisa do Brasil deve ser:
INDEPENDÊNCIA OU MORTE ....
A partir desse ato simbólico foram elaborados o Tope Nacional, os Escudos de Armas, o Hino da Independência, e outros ícones do novo império americano, como a cerimônia de entrega da bandeira.
Em 12 de outubro (aniversário de D. Pedro) ele foi consagrado Imperado D. Pedro I e coroado em 1 de dezembro de 1822.
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