segunda-feira, setembro 06, 2010

SE

W. J. Solha

Fiz uma última visita a meu pai quinze dias antes de sua morte, lá em Sorocaba, São Paulo. Passamos uma semana conversando, ele deitado, eu sentado na beira da sua cama. Em certo momento pediu-me que pegasse um dos volumes azuis (com letras douradas) do Tesouro da Juventude, que estava na sala. Minha mãe me presenteara a coleção ( não imagino com quanto sacrifício) quando eu tinha onze, doze anos, mas eu não tivera coragem de incluí-la na minha bagagem, quando viera trabalhar no Nordeste, pois via que o velho, como eu já o fizera anos antes, devorava aqueles livros com fervor. Ouvi-o me dizer:

- Abra na página marcada.

Todo tomo da série tinha estas seções: A Terra, Belas-Artes, Poesias, Belas Ações, Contos, Homens e Mulheres Célebres, Os Livros Famosos, o Livro dos Porquês, etc, etc.
A marca estava em “Poesias”, especificamente sobre o poema “Se” ( “If”) de Rudyard Kipling, tradução de Guilherme de Almeida.

- Leia em voz alta.

Somente fui entender que aquela era a parte que me cabia no testamento de seu Fortunato anos depois, ao constatar que sempre me lembrava daqueles versos em momentos decisivos de minha vida, como quando vendi tudo que tinha pra integralizar o capital da Cactus Produções Cinematográficas Ltda (que iria à falência, arrastando-me consigo, depois de produzir o primeiro longa-metragem paraibano de ficção em 35 mm, “O Salário da Morte”); como quando minha mulher chorou ao ver e sentir pó de cupim caindo sobre nós, do madeiramento da casa que eu alugara em João Pessoa, depois de perder a nossa no filme, e eu lhe disse: “Não se preocupe: do jeito que comprei a que tínhamos em Pombal, comprarei outra”; como quando o gerente do BB em Pombal quis me transferir imediatamente de lá, ao saber que o matador Antonio Letreiro fora pago pra matar, e lhe respondi “Não saio daqui assim”, e não saí; como quando fui à casa de José Américo de Almeida, discutir com ele meu livro “Zé Américo Foi Princeso no Trono da Monarquia”, que o deixara furioso, pois o acusava da morte de João Pessoa; como quando publiquei meu romance “A Verdadeira Estória de Jesus”, sabendo que receberia “pauladas” de todo lado, sentindo-me preparado para o que desse e viesse; como quando fui atuar numa cena que me provocava pavor – agora, em “O Som ao Redor”, no Recife – e a assistente do filme, Clara Linhart – visivelmente atormentada – me disse “Você não é obrigado a levar isso em frente, se não quiser. Como está se sentindo?” “Desconfortável, mas me arrependerei pelo resto da vida se não viver isso como está no roteiro”.

Foi sempre o “Se” de Kipling que fez de minhas tripas coração, em horas como essas. O que é incrível, pois sou, por natureza, retraído. Eis a tradução e, abaixo, o original desse poema tão marcante:

SE Rudyard Kipling

Se és capaz de manter tua calma, quando
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.

Se és capaz de arriscar numa única parada
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!

Rudyard Kipling
Tradução de Guilherme de Almeida

Original Inglês

IF


If you can keep your head when all about you

Are losing theirs and blaming it on you,

If you can trust yourself when all men doubt you

But make allowance for their doubting too,

If you can wait and not be tired by waiting,

Or being lied about, don't deal in lies,

Or being hated, don't give way to hating,

And yet don't look too good, nor talk too wise:

If you can dream--and not make dreams your master,

If you can think--and not make thoughts your aim;

If you can meet with Triumph and Disaster

And treat those two impostors just the same;

If you can bear to hear the truth you've spoken

Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,

And stoop and build 'em up with worn-out tools:
If you can make one heap of all your winnings
And risk it all on one turn of pitch-and-toss,

And lose, and start again at your beginnings

And never breath a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on!"
If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings--nor lose the common touch,

If neither foes nor loving friends can hurt you;

If all men count with you, but none too much,

If you can fill the unforgiving minute

With sixty seconds' worth of distance run,

Yours is the Earth and everything that's in it,

And--which is more--you'll be a Man, my son!


Rudyard Kipling

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