W. J. Solha
Amanheci o sábado passado dentro do Recife, para onde fora a fim de que, saindo de lá, viajasse para o interior, onde ocorreriam minhas primeiras cenas no longa do Kléber Mendonça Filho, O Som ao Redor. O serviço de meteorologia, no entanto, indevidamente nos obrigou ao adiamento do trabalho para o dia seguinte. Tentei ver as filmagens de uma cena muito forte, que ocorreria – em lugar das minhas - na casa do próprio Kléber, mas era tal a quantidade de técnicos e equipamentos atravancando escadas e corredores, que desisti. Fui salvo de um dia vazio pelos cineastas baianos Cláudio Marques e Marília Hughes – amigos do nosso diretor, hospedados em sua residência – que me perguntaram se não queria ir com eles à sessão das dez do Cine São Luiz. Como Kléber – apaixonado por aquele cinema - já me perguntara se eu já o vira depois da reforma, aceitei o convite. Foi uma bela volta ao passado. Apesar de ser de 52, a sala tem toda a cara de um espaço decorado trinta anos antes, e me deslumbrei no momento em que as luzes se apagaram para o início da projeção e, por um instante, acenderam-se os vitrais bem no estilo Tiffany, art nouveau, dos dois lados da tela:

http://almadobeco.blogspot.com/search?q=cine+s%C3%A3o+luiz

http://www.overmundo.com.br/overblog/cine-sao-luiz-sera-reaberto
Revi, em seguida, o filme que tem o título deste artigo: Um dia muito especial – Una Giornata Particolare - de Ettore Scola, com Sophia Loren e Marcelo Mastroiani. Os dois estão soberbos na história magnificamente conduzida. É 1938, Hitler visita a Roma de Mussolini, todo mundo sai de casa pra assistir ao portentoso desfile militar romano e ver o Führer – em pessoa – discursar e.... Todo mundo menos Antonietta, Sophia Loren, que tem de ficar no seu “apertamento” pra arrumar o caos deixado pelos seis filhos e pelo marido literalmente fascista. Somente ela ficou? Não: uma bisbilhoteira tipo “com mulher de bigode ninguém pode”, vigia do local ... e um deprimido Gabriele, Marcelo Mastroiani, que acaba de perder o emprego de locutor de rádio,... por ser homossexual, ao tempo em que perde, também, seu amante. O caso entre ele e Antonietta – o tempo todo com o potente som, em off, da irradiação do grande e opressivo acontecimento da cidade – é extremamente sensível e comovente.

http://ensaiosababelados.blogspot.com/2009/01/um-dia-muito-especial.html
Durante a projeção, lembrei-me do curta metragem a que assistira no dia anterior – Filtro de Papel – enviado por minha sobrinha Elizete Giardini Rosa, autora do conto que dera origem ao filme dirigido pela irmã Eliane Giardini (em sua primeira investida na área) e pela filha da atriz, Mariana Betti. Trata-se do bem cuidado registro do momento em que – ao preparar o café da manhã para o marido e a filha, que são um saco - uma dona de casa bastante sambada tem – à sua maneira - um insight de sua condição miserável, como a da Sophia no filme de Scola, vendo o quadriculado piso branco e preto da cozinha transformar-se num tabuleiro de xadrez em que ela, a “rainha do lar”, pomposamente vestida e coroada com papel do filtro – tem visões e acaba perdendo os sentidos, tombando como tomba um corpo morto. Caramba, pensei: se o filme de Elizete-Eliane-Mariana tivesse a exausta mas molto bella Sophia Loren como atriz!!! Ou a própria Eliane!...
Saímos do filme – Cláudio/Marília e eu – deslumbrados. Durante o almoço numa biboca do Recife Velho, eles me falaram, com entusiasmo que me contagiou, sobre o último curta que haviam feito – Nego Fugido – que conta como dois jovens vão à cidadezinha de Acupe, no Recôncavo Baiano, para conhecer a celebração do Nego Fugido, festa típica da região e , lá, têm uma experiência incrível.

http://www.panvision.com.br/fam2010/inscricoes/ficha/181
Depois fomos conhecer a fabulosa Livraria Cultura – Paço da Alfândega, ali na Madre de Deus 271, no prédio branco de título verde, que se vê nesta foto:

http://pousadapeter.com.br/indexfotos_shopping_paco_da_alfandega_recife.htm
No meio daquele gigantesco hipermercado cultural, com todo tipo de livros, revistas, discos e filmes, foi ótimo me deparar com o amigo Sílvio Osias abastecendo-se para mais uma semana de sua voraz paixão pela música e pelo cinema.,

http://www.culturaeartesa.com.br
silvio@culturaeartesa.com.br
- Liguei pra sua casa – falou-me. - Disseram-me que você estava filmando no interior de Pernambuco...
- Foi tudo adiado pra amanhã – eu lhe disse - por conta do serviço de meteorologia. Ficamos sabendo, hoje, que lá está fazendo sol, mas já não havia o que fazer... E você?
- Venho sempre aqui pro Recife, pra livraria, fazer compras...
O melhor do dia parecia encerrado, à tarde, quando o sonoplasta de O Som ao Redor, o belga Nicolas ( Nicolá) me retransmitiu o convite – do Kleber – de jantar com ele, a esposa Emilie Lesclaux e parte da equipe do filme, num restaurante japonês. Conversar com Kléber durante horas, ele no saquê, eu na cerveja, foi a derradeira grande experiência do dia. Ele é tão enciclopédico, no que se refere a cinema, quanto nosso querido Ivan Cineminha, mas o fato de ser um dos grandes críticos cinematográficos do país, extremamente atualizado (acaba de cobrir o Festival de Cannes para o Jornal do Commercio) , é coisa de tirar o fôlego. Claro que meu maior interesse, no entanto, estava em saber como andavam as filmagens de que eu começaria a participar no dia seguinte:

http://www.ccba.org.br/berlinale/uploaded_images/kleber-tiradentes-759883.jpg
- Como você está se sentindo, neste começo de O Som ao Redor, Kléber.
Para não ser infiel ao seu modo tranquilo, a resposta que ele me deu eu a tiro de seu blog
http://cinemascopiocannes.blogspot.com/:
- Não sei bem como compartilhar a sensação, mas em maio Cannes me deu a experiência inigualável de ver muito filme, e agora eu estou dentro do meu próprio filme. Como no festival, eu aqui tenho alguma idéia do que fazer, mas vez ou outra me sinto perdido, sem ter exatamente uma idéia fechada sobre o que ver ou procurar. De qualquer forma, estar dentro das imagens, vendo-as ou inventando as minhas, é uma coisa que não tem preço, e no que os anos passam, e você acumula experiência de vida, logo vê que as imagens e os sons são indissociáveis da vida em si. Talvez por serem mesmo prova de existir, vendo ou filmando.
Bem. Mas o bom, o bom mesmo, dessa Giornata Particolare, foi o fato de saber que no dia seguinte eu me veria, às cinco da manhã, numa van, fazendo parte de enorme caravana de outras vans e caminhões-baú, rumo ao recanto amado pelo personagem que iria interpretar. Vontade de escrever sobre como tudo aconteceu a partir daí eu tenho. Mas o Kléber me pediu que não divulgasse nada até que o filme seja lançado.
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